terça-feira, 19 de outubro de 2021

Home Office não é para todos, dizem especialistas


Trabalhar em casa sempre foi o sonho de muita gente. A liberdade de atuar no conforto do lar sempre pareceu curiosa, reluzente e, para muitas pessoas, impossível. Pelo menos, até o mundo ser tomado pela pandemia da Covid-19. 

O gravíssimo surto do novo coronavírus acelerou o processo de digitalização e modernização de muitas empresas, que precisaram mover as operações para a casa dos funcionários. Foi aí que muita gente saiu de um modelo tradicional de trabalho presencial para o formato de home office que, em muitos casos, veio mesmo para ficar. 

O problema é que, com as limitações necessárias por causa da circulação do vírus, não havia para onde fugir depois do expediente. Era do quarto para a sala, da sala para a cozinha, da cozinha para o banheiro... A hora do café ficou mais solitária e silenciosa, e passou a ser mais difícil se desligar e se desconectar do ambiente corporativo e profissional. 

Reprodução/Twitter
Reprodução de tweet

Foi quando percebeu-se uma bifurcação: sem grandes válvulas de escape, muitas pessoas começaram a ter dificuldades para trabalhar, como falta de foco e concentração, e muitas outras se envolveram desmedidamente no trabalho, em alguns casos até mesmo dobrando suas jornadas. 

Ellen Gomes, de 21 anos, passou por tudo isso. A jovem, que trabalha com Bioinformática no Departamento de Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, em São Paulo, sempre atuou de forma presencial até março de 2020, que de um jeito ou de outro mudou a vida de todos nós. "Eu achava um ambiente muito monótono. Tinha dificuldade de concentração ou excesso de foco e, às vezes, ficava trabalhando até muito tarde. Sinto que no home office tudo se mistura e não dá pra separar muito bem os horários, pelo menos pra mim", conta.  

Como bióloga, a falta do trabalho presencial teve mais um agravante. "Eu trabalho em um lugar bem arborizado e, nos intervalos de cafezinho, a vista é bem bonita, o que já dá um descanso mental. Isso é uma coisa que me incomodava também. No meu micro apartamento, os cômodos são apertados e eu não conseguia ver nenhum verde além das minhas plantinhas, o que me deixava triste".  

Atualmente, Ellen está trabalhando de forma híbrida: presencialmente três vezes por semana e dois dias em casa. Mas o desejo é voltar ao 100% presencial o mais rápido possível, inclusive por causa da qualidade do que faz. "Acredito que, como em vários outros tipos de trabalhos, o meu demanda uma certa troca de conversas e ideias, que eu não consigo ter no home office. Além de que, no laboratório, todo o ambiente é feito exclusivamente para que você consiga focar e tenha tudo o que precise".  

Foto: Arquivo Pessoal
A bióloga Ellen Gomes sente falta de estar todos os dias no escritório

"Parece que eu trabalho da hora que acordo até a hora de dormir"

A advogada carioca Marcia Almeida Leão passa pelas mesmas situações. "Eu realmente não gosto de home office. Acredito que a questão do ambiente de trabalho seja algo relevante pra mim. Eu sou mais produtiva no escritório. Talvez pelo fato de que, lá, minha única preocupação é o meu trabalho, enquanto que em casa eu acabo me atentando a diversas outras coisas", diz. 

Marcia ressalta que, muitas vezes, as tarefas do trabalho se confundem com as da casa, o que atrapalha o desenvolvimento do seu ofício. "Tem também a questão de não existir um horário de fim de expediente. Parece que em home office o trabalho se duplicou e eu trabalho da hora que acordo até a hora de dormir, o que não acontecia no escritório físico, onde eu chegava às 8h30 e saía às 18 horas pra ficar livre o resto do dia". 

Ela também trabalha em casa desde março de 2020 e só deve voltar a atuar 100% presencialmente a partir de janeiro de 2022, após todos os funcionários da empresa estarem vacinados com as duas doses. "Estou bem ansiosa para voltar e poder me concentrar melhor e de maneira mais eficiente nas minhas tarefas diárias. Acredito que, como antes, vai ser difícil, até porque o escritório vai adotar o sistema híbrido e vai ser difícil ter toda a equipe junta todos os dias", diz a advogada, que vê na vacinação uma esperança para que todos os colegas de trabalho se aproximem, como era antes. 

"Ninguém estava preparado para ter um escritório ou uma escola dentro de casa"

A posição do presidente do Conselho Federal de Administração (CFA), Mauro Kreuz, é firme: casa não é lugar de se trabalhar. "O lar é um local para descansar, curtir amigos e família e, de repente, tornou-se um ambiente múltiplo e as pessoas começaram a acumular funções. Ninguém estava preparado para ter um escritório ou uma escola dentro de casa. Isso não é normal! A casa não foi feita para abrigar tantas ocupações", diz.  

Kreuz lembra que, embora essa modalidade já fosse praticada antes da pandemia, tudo mudou com as limitações necessárias por causa do isolamento social. Afinal, as pessoas precisaram ficar somente em casa, quando estudos sociológicos apontam a necessidade das relações presenciais. "Crianças, por exemplo, quando expostas em demasia a telas, ficam mais propensas a desenvolverem distúrbios alimentares, déficits de atenção e outros problemas", explica o administrador. 


Citação
A tecnologia possibilitou essa nova realidade, mas é possível ter a mente sã nesse cenário? Creio que não
Mauro Kreuz, presidente do Conselho Federal de Administração (CFA)

Nessa realidade tão desafiadora, é importante lembrar que os empregadores têm responsabilidade sob a manutenção da saúde mental de seus funcionários. "As empresas precisam ser sensíveis quanto a isso e promover mecanismos para que estes colaboradores, uma vez em home office, não sejam tão afetados psicologicamente. De que forma? Estabelecendo novas metas, flexibilizando os horários de trabalho e melhorando a comunicação".  

Outro ponto abordado por Kreuz é a criação comitês para o acompanhamento da saúde dos funcionários. Ele defende que, ao menor sinal de que algo pode não estar indo bem, é preciso que haja acolhimento e disponibilidade, enxergando cada colaborador não como uma máquina, mas como um ser humano. 

Divulgação/Conselho Federal de Administração
Mauro Kreuz defende que as empresas flexibilizem os horários e melhorem a comunicação

Sinais de alerta que indicam esgotamento

A psicóloga Beatriz Sabrina Soares Martins concorda com Kreuz. "A organização deve estar bem preparada para dar o suporte necessário quando é definido o regime de trabalho. Algumas empresas têm oferecido serviços de apoio psicológico aos funcionários e esse tipo de serviço tem sido muito eficaz tanto para tratamento psicológico quanto também para apoio nos planejamentos da estrutura profissional", conta a profissional, que atua em psicologia organizacional e clínica. 

Psicóloga organizacional Beatriz Sabrina Soares Martins dá dicas para identificar quando algo não vai bem

A jovem, que tem 29 anos e vive em Atibaia, São Paulo, também tem sofrido com o seu "tempo de tela": "Tudo tem que ser resolvido online ou no WhatsApp e eu sinto que essa comunicação é péssima. Às vezes, eu preciso de respostas rápidas ou mais detalhadas e acho esse ponto bem precário. Ficar muito tempo olhando para telas é cansativo", desabafa Bruna, que tem recorrido mais às boas e velhas ligações para tirar dúvidas e obter respostas com mais agilidade.  

Insegurança financeira

E é claro: muitas vezes, o home office deixa os funcionários "no escuro", onde abundam os mais diversos receios e incertezas. Além disso, os gastos domésticos de quem trabalha em casa também aumentaram, o que trouxe e ainda traz muita preocupação. 

O bancário Daniel Constantini, 35, por exemplo, conta que ficou um ano e sete meses em home office. De início, foi ótimo pela segurança. No entanto, a insegurança de determinados serviços financeiros começou a atacar a sua ansiedade. "Os meses foram passando e meus gastos em casa com energia, principalmente com o meu computador pessoal, que eu nem utilizava com tanta frequência, foram aumentando".  

Além disso, o trabalho também ficou prejudicado por questões técnicas. "Aí vieram os problemas de conexão, pois no meu caso o computador precisa abrir sistemas de segurança para funcionar. Então a gente acorda cedo, liga tudo, mas por causa do sistema acaba entrando atrasado em atendimento", diz. Outra questão levantada por ele é a comunicação com colegas para realizar determinados serviços, que foi muito dificultada. 

Pequenas grandes dicas

Para quem está em home office e continua com essas e as mais variadas possíveis dificuldades, a psicóloga organizacional Beatriz Sabrina Soares Martins dá algumas práticas e simples, mas que podem ajudar: 


Citação
Percebo que, quando trabalho presencialmente, volto mais animada, porque a minha casa vira lugar de descanso e parece mesmo que estou descansando
Bruna Brito, fotógrafa e gestora de mídias sociais

Bruna Brito tem 29 anos e vive em Atibaia, São Paulo. Ela também tem sofrido com o seu "tempo de tela". "Tudo tem que ser resolvido online ou no WhatsApp, e eu sinto que essa comunicação é péssima. Às vezes, eu preciso de respostas rápidas ou mais detalhadas, e acho esse ponto bem precário. Ficar muito tempo olhando para telas é cansativo", desabafa Bruna, que tem recorrido mais às boas e velhas ligações para tirar dúvidas e obter respostas com mais agilidade.  

Insegurança financeira

Muitas vezes, o home office deixa os funcionários "no escuro", quando abundam os mais diversos receios e incertezas. Além disso, os gastos domésticos de quem trabalha em casa também aumentaram, o que trouxe e ainda traz muita preocupação. 

O bancário Daniel Constantini, de 35 anos, por exemplo, conta que ficou um ano e sete meses em home office. De início, achou ótimo pela segurança. Mas, com o passar do tempo, o aumento nos gastos começou a gerar ansiedade. "Os meses foram passando e meus gastos em casa com energia, principalmente com o meu computador pessoal, que eu nem utilizava com tanta frequência, foram aumentando".  

Além disso, o trabalho também ficou prejudicado por questões técnicas. "Aí vieram os problemas de conexão, pois no meu caso o computador precisa abrir sistemas de segurança para funcionar. Então a gente acorda cedo, liga tudo, mas por causa do sistema acaba entrando atrasado em atendimento", diz. Outra questão levantada por ele é a comunicação com colegas para realizar determinados serviços, que foi muito prejudicada. 

Pequenas grandes dicas

Para quem está em home office e continua com dificuldades, a psicóloga organizacional Beatriz Sabrina Soares Martins dá algumas práticas e simples, mas que podem ajudar: 

Um dos fatores principais para a preservação da saúde física e mental no regime de trabalho home office é o planejamento da rotina

Não é um momento fácil, tampouco uma realidade simples e jubilosa. No mundo de 2020 e 2021, a máxima que diz "todos aqueles que você conhece estão lutando uma batalha da qual você não sabe nada sobre" nunca foi tão real. Mas, os indícios apontam que já podemos voltar a ter esperança novamente e que o pior já passou. Portanto, no trabalho e fora dele, é vital que cada pessoa se conheça e, principalmente, se respeite, para que as forças sejam mantidas e resistam até que tudo volte ao (novo) normal.

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