Os meios de comunicação e as nossas conversas cotidianas refletem bem os valores, conceitos e preconceitos que temos em relação a alguém ou ao grupo social do qual essa pessoa faz parte. O texto de hoje vai discutir termos comumente usados para se referir as pessoas que já envelheceram. E não será uma tarefa fácil.
- · Não será tão fácil porque o primeiro ponto que coloco é: o que é envelhecer?
- É atingir uma certa idade e adotar isso como um critério?
- É perceber as mudanças fisiológicas e anatômicas no corpo humano, reflexo dos anos vividos, como pele mais enrugada, manchas, mudança na distribuição dos dentes, a massa muscular diferente da fase adulta, o cabelo, a cor dele ou a falta dele?
- É pensar no quanto estamos ainda dispostos a viver, a aprender e estar ativo na vida?
Veja que a definição
de velho ou velha já causa dificuldade e mostra uma complexidade que nos
convida e pensar para além do campo da saúde. Ser velho ou velha também pode
ser uma postura em relação a aceitação de novos modos de vida e de relações
sociais.
Aqui não caberia
qualquer desprestígio ao que é velho, seria o oposto ao novo, a novidade. Mas
sabemos que muitas sociedades agregam valor financeiro a isso e, a partir desse
momento, tudo que é velho não serve mais.
No nosso mundo
capitalista, países subdesenvolvidos e em desenvolvimento definem como pessoa
idosa aquela com 60 anos ou mais, e para países desenvolvidos é a partir dos 65
anos. Dessa forma, o Brasil adota como idoso, velho, idosa ou velha quem tem 60
anos ou mais.
Ainda que estejamos
passando por uma rápida mudança demográfica, que se caracteriza por um maior
envelhecimento populacional, começar a adotar aqui o critério de 65 anos pode
ser perigoso. Tal mudança pode aumentar a vulnerabilidade de grupos de pessoas
idosas que, seja pela cor da pele, pelo local onde reside, pelo seu gênero,
pela sua classe social, já tem muitas (às vezes, enormes) dificuldades para
chegar aos 60 anos.
Pode-se afirmar que chegar bem aos 60
anos de idade ainda seja uma possibilidade, uma maior chance para um grupo
seleto de pessoas que residem no nosso país. E o que dirá chegar aos 80 anos ou
mais!
Precisamos também
considerar o impacto da covid-19 na expectativa de vida da nossa população.
Pesquisadores e pesquisadoras já apontam para uma redução de dois
a três anos na expectativa de vida, dependendo do estado onde a pessoa reside.
Seguimos definindo os
termos. Terceira idade acaba sendo as pessoas que já foram
crianças/adolescentes, adultas e agora estão na tal terceira idade. Um conceito
bem subjetivo.
Muitas pessoas velhas
e estudiosos da gerontologia não gostam desse termo. Alguns dizem que tudo é
melhor na terceira idade, outros que tudo é ruim. Sem consenso, só discussão.
Foi uma tentativa de minimizar o preconceito e a discriminação em relação às
pessoas que não são crianças, nem adolescentes, nem adultas.
Há um outro termo
definido como "melhor idade", já que seria uma fase da vida onde tudo
estaria bem resolvido: poucas obrigações com o trabalho remunerado necessário,
a realização do trabalho por prazer ou voluntariado, mais tempo para viajar,
praticar hobbies, ficar mais com a família, cuidar mais da saúde e estar
saudável, com companheira e companheiro presentes e também saudáveis, filhos e
filhas com bons empregos e cuidando dos seus filhos a maior parte do tempo.
É um quase paraíso e que está muito
longe de acontecer para a maior parte da população. Muitas pessoas envelhecem
com problemas de saúde, dificuldades para manter sua autonomia ou sua
independência física para deslocamentos, com dívidas, com sonhos não
realizados, pagando aluguel e enterrando o plano da casa própria, gastando mais
de um terço do salário com plano de saúde ou medicamentos, viúvas, trabalhando
na informalidade para complementar a renda. Bem, melhor idade parece não ser o
melhor termo também.
Velho e velha. Para
algumas pessoas poderá parecer preconceituoso ou discriminatório. Mas se
falamos para quem tem sete anos que ela é uma criança ou para quem tem os seus
28 anos que ela é adulta, por que seria errado falar para uma pessoa de 78 anos
que ela é velha?
Não deveria ser problema se não existisse o peso da discriminação por ter muitos anos de vida, o que é definido como etarismo, idadismo ou ageísmo. Algo "velho" está, infelizmente, associado com o não servir, estar ultrapassado, sem serventia, sem importância, obsoleto, desnecessário.
Como se não bastasse,
ainda vivemos em uma sociedade que busca tornar patológico o ser velho, velha e
ainda mais velhes, pensando na perspectiva de gênero e que poderia ser ainda mais
ampliada quanto a sua orientação sexual.
São milhares de
profissionais e empresas prometendo a jovialidade, a negação dos cabelos
grisalhos, da pele enrugada, da postura um pouco mais curvada. Houve um
episódio do grupo Portas dos Fundos cuja cena mostrou uma pessoa idosa tratada
de forma infantilizada, como que seus comportamentos tivessem que
ser acompanhados por uma pessoa adulta.
E o que isso nos
mostra? Cenas de idadismo, etarismo, ageísmo. E isso constitui o olhar da
sociedade sobre a pessoa velha e também dela sobre ela mesma. E tudo isso
repercute também nas diversas áreas da nossa vida: trabalho, conjugalidade,
aprendizado e lazer, por exemplo. Para o Porta dos Fundos, por que não incluir
atores e atrizes mais velhas no seu elenco fixo?
Negamos o que é muito
evidente. Já parou para perceber que boa parte dos nossos presidentes eram
velhos quando assumiram o cargo ou tornaram-se velhos enquanto estavam na
gestão do país? Mas quantos defenderam a bandeira em defesa dos direitos da
população idosa?
Por que incomoda tanto "a musa" de uma certa década agora ter envelhecido e não mais trazer uma imagem jovial? Por que ainda queremos elogiar as pessoas dizendo que elas parecem mais jovens do que a idade que possuem? No Brasil, o velho ou a velha é sempre a outra pessoa.
Estamos a todo momento praticando um pouco ou muita discriminação contra a pessoa idosa ou negando o fato de que envelhecer é uma conquista da sociedade, uma oportunidade para se fazer muito para si e para outras tantas pessoas. É um momento ainda de crescimento pessoal, de novos relacionamentos, de novos projetos, de novas descobertas. Na cultura do Mali, um país do continente africano, há um provérbio que diz que "cada ancião que morre é uma biblioteca que se queima".
A velhice é desigual
para muitos idosos e idosas negras e indígenas que morrem precocemente, sem
usufruir dessa fase da vida, sem nos contemplar com seus ensinamentos, sem
escrever mais páginas das suas histórias, sem nos ajudar a fazer um mundo
melhor.
Quem é a velha ou o velho aqui? A escolha é sua. A construção ou redefinição dos termos é nossa. Velho pode ser uma qualidade positiva para um bom vinho, para um conhecimento atemporal, para amizades duradouras, para enaltecer uma árvore frondosa, um rio que nunca deixou de abastecer gerações de pessoas de um povoado, é uma profissional extremamente competente no que faz e que alia prática com conhecimentos, é uma obra de arte como um quadro ou uma obra arquitetônica do Egito.
Enfim, ser velho ou velha pode ser bom. Na dúvida, chame pelo nome. Isso sintetiza a coluna de hoje.
Copiado: Alexandre da Silva - https://www.uol.com.br/vivabem/
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