Crises são contingências de todas as organizações. Entrar numa crise não é difícil. A forma como as organizações a conduzem, essa sim, pode determinar o impacto do acontecimento sobre a reputação de quem foi atingido pelo evento negativo. Administrar a crise pode ser mais importante, em alguns casos, do que a gerência do processo operacional.
Foi mais ou menos o que aconteceu com o Parque de diversões Hopi Hari, localizado em Vinhedo, S. Paulo. Sexta-feira, 24 de fevereiro, a adolescente Gabriela Nichimura, de 14 anos, despencou do brinquedo Torre Eiffel, um elevador com 69,5m de altura (equivalente a um prédio de 23 andares) , quando a trava de segurança da cadeira se abriu. Ao perder a segurança, com a velocidade de descida do “elevador”, até 94 km/h, o corpo da jovem foi arremessado no chão, - 20 a 30 metros -, tendo morte praticamente instantânea.
Em qualquer lugar do mundo, seja na Universal, de Orlando, na Disney da Europa, ou no parquinho do interior do país, a morte de uma única criança, seria uma crise grave. Nos grandes parques de diversões, principalmente do exterior, segurança é uma verdadeira obsessão. Eles sabem o impacto negativo para a imagem e a reputação da empresa de acidente semelhantes.
O que fez o Hopi Hari
A direção do parque, desde o início, agiu como se não fosse uma crise grave. Divulgou até agora três notas lacônicas, comunicando o fato e lamentando o episódio e se comunica por meio de advogado. Questionado, o Hopi Hari informou à imprensa que as travas dos brinquedos são analisadas diariamente, antes de o parque abrir. A fiscalização seria completada por vistorias periódicas, feitas por engenheiro. A cada seis meses, ainda segundo o Parque, os laudos produzidos por eles são avaliados por um fiscal do CREA-SP. A direção do parque informou ser impossível o usuário conseguir abrir a trava por conta própria.
Testemunhas
Duas testemunhas ouvidas logo após a tragédia foram categóricas em informar que a trave subiu, liberando o corpo da garota. “A catraca dela já estava aberta quando o elevador chegou, as outras só abriram quando o brinquedo parou”. Atenção ao relato do dia 25/02, sábado: “Testemunhas e operadores relataram que todas as travas foram checadas manualmente, antes da queda da menina, como mandam as normas de segurança“. O delegado também ouviu o engenheiro do Parque, mas, até então, nenhum foi capaz de apresentar uma hipótese para a queda.
Insensibilidade
A morte da menina foi constatada quase imediatamente após o acidente. O Parque suspendeu as atividades na parte da tarde, pela demora em esvaziá-lo, segundo alegam. No site, dia 25, um novo comunicado informou a abertura regular do parque no sábado, “atendendo aos visitantes que, como em todos os finais de semana, se programam com antecedência para vir ao parque. (...) “Reafirmamos nosso compromisso com a segurança de todos os visitantes...” Somente o brinquedo Torre Eiffel permaneceu fechado por ordem superior.
Questionada, a prefeitura de Vinhedo lavou as mãos: o alvará está em dia, mas não fiscaliza. O Corpo de Bombeiros fiscaliza as condições de segurança contra incêndios e o Crea apenas os profissionais que lá atuam. Ou seja, as condições de segurança e manutenção dos brinquedos ficam a cargo dos empregados dos parques. Não há fiscalização externa. No dia 28, quatro dias após o acidente, polícia e engenheiros especulavam sobre falha humana ou falha mecânica. Todos batiam cabeça, enquanto manifestações da direção do parque continuavam limitadas aos comunicados.
Cronologia das mentiras e verdades
Dia 26/02, em entrevista, a mãe da menina, Silmara Nichimura, disse que a cadeira da filha estava sem uma fivela de segurança. Ela teria questionado o funcionário sobre a segurança do brinquedo e teria ouvido que “a falta do cinto não era um problema.” Ou, “É seguro, mesmo sem o segundo fecho”.
Diante dessa evidência, qual a primeira reação da direção do parque: esquivou-se e jogou a responsabilidade da investigação para a perícia. Só que a perícia também bateu cabeça. A polícia descobriu um dia depois que não havia feito perícia completa no assento, por achar que Gabriela havia usado outro local. Mas tarde iria descobrir que fez a perícia no assento errado.
29 de fevereiro, quarta-feira, dois funcionários do parque disseram à polícia ter avisado a direção da empresa sobre problema mecânico na trava do assento onde a vítima estava. “Aquela cadeira deveria estar lacrada, porque já tinha apresentado defeito”, disse Bichir Ale Junior, advogado dos empregados operadores do brinquedo. Eles se apresentaram espontaneamente à polícia. Demonstraram mais seriedade e espírito de colaboração do que a direção do parque.
Nesse dia, talvez o fato mais constrangedor para a direção do Hopi Hari e uma virada nas investigações. O advogado da família mostra foto com Gabriela sentada exatamente na cadeira, alegadamente interditada. A foto é da família de Gabriela. “Provavelmente ela ficou flutuando na descida, segurando o colete (a trava) com as mãos, até que, com a frenagem, se soltou”, disse o delegado.
O Hopi Hari achou uma explicação para o escândalo da foto feita pela família. No bloco de cadeiras em que Gabriela estava, um dos assentos estava inoperante porque um visitante com braços e pernas longos poderia, eventualmente, bater na estrutura de metal que simula a torre Eiffel. Essa alegação explica, mas não justifica o uso indevido da cadeira.
Agora a revelação mais grave do processo: “O Vitor (empregado) percebeu que a trava estava frouxa, mas recebeu ordem para que a operação seguisse. O fato de Gabriela ter ocupado um lugar que não deveria ser usado aumenta o grau de negligência que levou ao acidente; é bem mais grave do que imaginávamos. Essa menina entrou numa arma, num brinquedo fatal. A investigação agora é de homicídio”, disse o promotor Rogério Sanches Cunha. Enquanto isso, o parque continuava aberto e faturando.
Jogo de empurra
Um dia depois de a verdade ter vindo à tona, ou seja, o parque permitir uma criança sentar em cadeira interditada, com problemas de segurança, a direção admitiu que o acidente ocorreu “por uma série de falhas”. Não parou aí a série de idas e vindas da direção do parque.
O advogado do Hopi Hari tentou jogar a culpa para os funcionários. Para Alberto Toron, “os equívocos podem envolver até três funcionários”. “O erro não é do parque, pode ser de funcionários”. Atribuir a culpa a terceiros é prática costumeira das organizações para se esquivar da responsabilidade. Só tem um problema, quando os empregados erram, o erro também é da empresa. Não há como separar.
Pior, o advogado admite que a cadeira onde a menina sentou estava desativada há dez anos. Dez anos? E não havia nenhuma placa com alerta? Como um parque de diversões, com milhares de crianças, todos os dias, mantém uma cadeira com defeito, num brinquedo extremamente perigoso, durante dez anos? “Essa cadeira ficava travada permanentemente. Inadvertidamente, segundo ele, um funcionário mexeu na trava. “Era impossível alguém sentar-se nela, por isso não havia uma placa. Alguém mexeu onde não deveria”, afirmou. Essa justificativa tem alguma sustentação, diante do risco que representava, como se confirmou no acidente?
Ao negar que o parque tenha informado o local da menina incorretamente, o que seria uma fraude, o advogado da empresa alega ter sido a polícia que ouviu testemunhas para localizar o local. A direção do parque lavou as mãos e disse nos comunicados estar “apoiando os órgãos responsáveis na investigação”. Mas a verdade só veio à tona, após os pais mostrarem as fotos.
Até então o parque tinha ficado caladinho. Não há câmeras no Hopi Hari com gravações de todos os brinquedos? Se há, quem garante que as imagens já não tivessem sido vistas por alguém do parque, logo após o acidente? Se não há, mostra também falha grave na segurança dos usuários. Para a mãe da garota, caso não houvesse fotos com essa evidência, a investigação não mostraria os responsáveis, pois a “perícia já estava dada por terminada”.
Após a revelação de que a cadeira da menina deveria estar interditada, choveram fotos na internet de frequentadores, com aquela cadeira vazia. Internautas também asseguram que no dia 20 de fevereiro, de 20 cadeiras, só sete funcionavam. Uma mostra de falhas graves na manutenção do parque.
Diante do rumo dos acontecimentos e pela forma como a direção do Hopi Hari vinha se comportando na apuração, no dia 1º, o Tribunal de Justiça de SP determinou o fechamento do parque por dez dias para uma avaliação completa da segurança de todos os brinquedos. No mesmo dia, o advogado da família disse que pedirá uma indenização de R$ 3 milhões, sendo R$ 2 milhões ao parque, por danos morais e materiais, e R$ 1 milhão à Prefeitura de Vinhedo, por falta de fiscalização.
Na sucessão de relatos cada vez mais surpreendentes que todos os dias, desde o acidente, deixam a direção do Hopi Hari cada vez mais enrolada, nesta sexta-feira, 2/3, empregado do parque denunciou ter sido pressionado a assinar documentos garantindo que passou por treinamento. O parque nega a denúncia. Quem acredita na versão do parque, em função de tudo que aconteceu até agora?
Análise da Crise
O amadorismo na condução dessa crise surpreende. Isso porque gerenciamento de crises virou matéria obrigatória, cada vez mais exigida nas empresas, principalmente as que lidam com grande número de pessoas. Cada dia a situação tanto do ponto de vista jurídico, como de reputação, ficou pior. A empresa conseguiu atropelar vários princípios ou mandamentos recomendados para situações de crise com vítima.
Comunicação - Os comunicados divulgados pelo parque foram lacônicos, frios, burocráticos. Não houve pronunciamento da direção, qualquer entrevista, sequer para lamentar o fato e anunciar com rapidez e consistência as providências tomadas. É como se alguém tivesse apenas escorregado na montanha russa. Os comunicados não constam na abertura do site, como deveriam. No caso, no máximo em 72 horas deveria ter ocorrido uma entrevista coletiva. Também não existe ação reativas nas redes sociais. O Hopi Hari apanha e não se defende.
Houve insensibilidade ao manter o parque aberto, um dia depois do acidente, quando ocorreu o sepultamento da vítima. Demonstrar sentimento, pesar em relação à vítima e sua família pode ser, nesse momento, mais importante até do que cuidar da crise. Nas crises, especialmente onde há pessoas feridas ou mortes, as ações e mensagens devem refletir o sentimento da organização. A palavra chave é “compassion”. Não é compaixão, como entendemos em português. É mais. Um sentimento de que você gostaria de estar no lugar dos parentes, tal seu sofrimento também. Isso jamais transpareceu das mensagens da empresa.
Para o PR e especialista em Crisis Management de Londres, Jonathan Boddy, “a qualidade-chave que faz com que um incidente se transforme numa crise é o impacto desse acontecimento sobre as pessoas. Juntamente com a ação significativa de lidar com o incidente (resposta operacional), uma organização deve ser vista diretamente envolvida com os impactos pessoais. A reputação de uma organização existe em grande parte naquilo em que as pessoas acreditam dela. Ao privilegiar as necessidades das pessoas atingidas pela crise, uma organização tem uma boa chance de manter sua reputação”.
Não fosse a atuação dos pais da vítima, das autoridades e, principalmente, do Ministério Público do Estado de SP, até esse momento, provavelmente, pela sucessão de idas e vindas nas informações por parte da direção da empresa, ainda estaríamos aguardando melhores esclarecimentos.
A assessoria de imprensa do parque tem se omitido quando questionada pela imprensa sobre diversas pautas relativas ao acidente.
Honestidade – Seja honesto, recomendam todos os especialistas em gestão de crises. Jamais tente enganar, usar de subterfúgios, dar uma declaração hoje e corrigir amanhã. O Hopi Hari atropelou também esse princípio e outro: não foi proativo nas explicações; tergiversou, não esclareceu, nem ajudou a investigação; foi lento na apuração interna, andou a reboque dos acontecimentos liderados pelos pais da garota. Estes, rapidamente se movimentaram, acionaram polícia, Ministério Público. Até a polícia bateu cabeça na apuração, mais preocupada com entrevistas para a mídia do que em checar as primeiras informações e ir a fundo na investigação.
Informação - A empresa não precisa produzir provas contra ela mesma. Mas não pode omitir nada, fingir que não existe falha. Nas crises, as organizações devem ser tão informativas quanto puderem. Isso demonstra respeito para com as vítimas, com os clientes, autoridades públicas e a sociedade. O que não ocorreu nesse caso. As informações foram desencontradas, enubladas. Cada dia, um fato novo, mais por iniciativa da mídia, do Ministério Público ou de testemunhas e empregados, do que da empresa.
Quando na crise há vida de pessoas, segurança sob ameaça, a organização não pode se esconder. As pessoas estão feridas e sentidas. Elas querem respostas. Os frequentadores do parque querem saber até que ponto essa crise, que feriu de morte uma família, poderá afetá-los. A direção do parque em nenhum momento tranquilizou os frequentadores. Ao contrário. Pessoas que passaram pelo parque dias antes ficaram estarrecidas com o uso da cadeira (interditada) pela vítima, porque poderia ter acontecido com elas. O sentimento foi de choque.
Outra coisa importante. A crise de uma organização, no caso o Hopi Hari, não é um evento de seu exclusivo interesse. Pertence a todos os stakeholders, principalmente aos potenciais frequentadores, aos pais, às empresas de turismo. E a toda a sociedade. A organização tem que mostrar sensibilidade e receptividade às preocupações dessesstakeholders. E colaborar para esclarecer todas as dúvidas. Será que a direção do parque com seu silêncio contribuiu para isso?
Liderança: até agora não existe um “rosto” para essa crise. Toda a crise precisa de um líder, do lado da empresa. O que recomenda a boa gestão de crise? O executivo deve ter uma visão geral da gestão da resposta, contribuir para decisões de nível estratégico e ser publicamente visível em momentos-chave, durante o incidente e durante a resposta da organização. Alguém ouviu alguma declaração dos diretores do parque?
Do lado da vítima, sim. A fibra da mãe de Gabriela, mesmo na dor, tentando esclarecer a verdade, embora nada vá trazer sua filha de volta. A sociedade brasileira deve agradecer essa família pela busca da verdade. A direção do parque, ao contrário, entregou a um advogado a responsabilidade de se expor em nome da empresa. Nas crises, a presença do advogado na linha de frente pode demonstrar medo, insegurança, falta de transparência, pouca convicção com os argumentos apresentados. É o caso?
Falta de prevenção – Acidentes em parques de diversões, onde brincam milhares de crianças, é fato passível de acontecer. Entretanto, todo o trabalho de prevenção deve ser feito para minimizá-los, principalmente os que colocam a vida das crianças em risco. Pelos relatos emanados do triste episódio do Hopi Hari, constatam-se falhas graves de prevenção num brinquedo extremamente perigoso. Se diariamente os brinquedos são vistoriados, por que aquela cadeira, há dez anos parada, não estava totalmente coberta, definitivamente interditada?
Há várias perguntas para serem respondidas a fim de se confirmar se existe prevenção no parque. Por que várias cadeiras, segundo relatos, deixam de ser usadas por defeitos? Como é feita a manutenção dos brinquedos? A empresa tinha procedimentos rotineiros na interdição? Então, de quem foi a falha? Os funcionários eram treinados? Nesse jogo de empurra, a sociedade quer saber quem são os culpados. Simplificar os fatos, jogando a responsabilidade para empregados de terceiro escalão parece fácil. Mas não é um comportamento ético e socialmente responsável.
Os erros da direção do parque são tão graves que o Ministério Público não descarta a hipótese de interditar o parque além dos dez dias já confirmados. A irresponsabilidade com a segurança dos usuários e, em particular, da adolescente, só não foi maior do que a incompetência para gerenciar essa crise, a ponto de contaminar e comprometer o resto de credibilidade e reputação que ainda existia na empresa. Lamentável que em pleno século XXI, com todas as recomendações e experiências internacionais adquiridas em parques de diversões, o Brasil possa testemunhar um episódio tão lamentável.
Observações: Este artigo já estava concluído quando o Fantástico da Rede Globo, de 04/03/12, fez reportagem com entrevista do Vice-Presidente do Hopi Hari, Cláudio Guimarães. A reportagem confirma a sucessão de erros, agrava as denúncias dos empregados ouvidos, sob alegação de que 90% do treinamento é apenas leitura de manuais; o vice-presidente não melhorou a posição do Parque, porque não respondeu aos principais questionamentos e admitiu: o acidente é fruto de uma sucessão de erros. A entrevista, nove dias depois do acidente, além de estratégia errada, por ter privilegiado um único veículo de comunicação, demonstrou que o "timing" da crise foi perdido. A empresa perdeu a batalha da comunicação. A versão da família da vítima, da mídia, dos empregados e advogados prevaleceu. Perder a batalha da comunicação numa crise, é quase derrota certa.
Escrito por Joao Jose Fornii |
Colaboracao - Julio Cesar Cavalcante - Brasilia -DF
Tchau Hopi Hari, e parabéns Joao pelo texto.
ResponderExcluirParticularmente, eu amava o parque, mas a máscara caiu! Todo o encanto do "pais mais divertido do mundo" foi embora.
Se coloque no lugar da familia de Gabriela, que dor e que luta neste momento tão dificio pra eles. Agora, se coloque no lugar de visitante do parque. A realidade é que, aconteceu um acidente naquele brinquedo, poderia ter acotecido e qualquer um.
Diversão é legal, mas quando você tem certeza que é seguro! E no Hopi Hari, ta todo mundo vendo que o lucro prevalece em primeiro lugar, e seria burrice se arriscar, quando a vida é colocada em último lugar!
Mais uma vez, parabéns Joao Jose Fornii.
Obrigado.