“Não é o cérebro que importa mais, mas sim o que o orienta: o caráter, o coração, a generosidade, as ideias.” (Dostoievski)
A violência e a intolerância têm dominado o mundo. Observe como elas estão ao seu redor. Nos noticiários da televisão, nas páginas dos jornais e das revistas, nas conversas em rodas de amigos.
Impotentes que nos sentimos diante de sua escalada, recorremos às leis, contratos firmados entre os homens para regular a convivência em sociedade. Passamos a defender a pena de morte, um maior rigor na aplicação das normas, a antecipação da maioridade penal. Buscamos proteção e sequer percebemos que pouco contribuímos para alcançá-la.
O efeito estufa ganha notoriedade e o aquecimento global deixa de ser retórica de cientistas e ecologistas para mostrar sua face real. Estamos comprometendo nossa sustentabilidade e as gerações futuras.
Os males que nos afligem decorrem de nossa natureza egoísta. Não basta sermos ambiciosos. Precisamos cultivar a ganância. Queremos sempre mais. Mais posses, mais bens, mais exposição. Mais coisas quantificáveis, palpáveis, que possam ornamentar uma parede ou serem vistas sobre um móvel de mármore. Em contrapartida, temos menos carinho, companhia, afeto. Beijamos pouco e abraçamos menos ainda.
Todo jovem, em algum momento de sua vida, nutre a utopia de construir uma sociedade mais justa onde as diferenças socioeconômicas sejam abrandadas. Ele sabe de sua força e da importância de suas ações para obter este feito. Mas a idade adulta nos visita e passamos a acreditar que a humanidade não pode ser salva e que uma atitude pontual é insuficiente para surtir efeito.
Aqui reside a grande quebra de paradigma. São as pequenas ações individuais, tomadas coletiva e sucessivamente, a gênese da transformação. Lembro-me de um provérbio chinês que diz: “Antes de iniciares a tarefa de mudar o mundo, dá três voltas na tua própria casa”.
A este processo contínuo e envolvente denominei “Espiral da ética”. A imagem da espiral remete a algo flexível e em constante movimento ascendente. E a ética invoca aos preceitos morais que habitam com naturalidade nosso íntimo.
Alimentamos esta “espiral da ética” através de nossos comportamentos e atitudes. Obedecendo aos limites de velocidade e não trafegando pelo acostamento. Priorizando pedestres e dando passagem a outro veículo. Respeitando vagas e assentos reservados aos idosos e deficientes físicos. Aguardando o desembarque das pessoas de um elevador e segurando a porta para outras o adentrarem antes de você. Evitando estacionar o carrinho de compras no meio de um corredor no supermercado e impedir a passagem das demais pessoas. Ouvindo com atenção seu interlocutor num debate em vez de preocupar-se apenas em expor suas opiniões.
Poderíamos desfilar muitos outros exemplos. E você poderá fazer sua própria lista e começar a colocá-la em prática imediatamente. Inspirado na obra escrita por minha amiga Rosana Braga, intitulada “O poder da gentileza”, resolvi chamar a cada uma destas ações de “pílulas de gentileza”.
Trata-se de pequenas drágeas encapsuladas na mente e sorvidas pelo coração. O princípio ativo é dado pelo amor, com elevada concentração de generosidade e benevolência. A posologia recomenda administrar uma autêntica overdose diária. Os efeitos colaterais são variados e os estudos a este respeito ainda não foram concluídos. Sabe-se apenas que no curto prazo foram observadas a ocorrência de brilho no olhar, redução da angústia e da ansiedade, surtos frequentes de entusiasmo e alegria. E no longo prazo, a expectativa de um lugar melhor para se viver.
Loren Eiseley foi um antropólogo, arqueólogo e escritor norte-americano, conhecido por suas obras publicadas acerca da teoria evolucionista do homem. Em um de seus escritos, magnificamente retratado em um breve filme intitulado “A história do jogador de estrelas”, fragmento de obra de Joel Barker, distribuído com exclusividade no Brasil pela Siamar, ele relata que um poeta caminha pela praia quando encontra um jovem arremessando estrelas-do-mar de volta ao oceano, para salvá-las da maré baixa e forte sol que se avizinham. O homem se aproxima e interpela o rapaz dizendo-lhe que sua atitude é inútil diante da imensidão da costa marítima que acometerá fatalmente a maioria daqueles seres. Portanto, seria impossível que sua ação isolada pudesse fazer alguma diferença. O jovem ouve atentamente seu argumento, inclina-se em direção à areia, recolhe outra estrela-do-mar e a atira longe da rebentação. Então, aproxima-se do homem e lhe diz: “Fez diferença para aquela”.
Estou certo de que se conscientizando e agindo em direção a práticas mais nobres e menos superficiais, você encontrará a sua estrela-do-mar. E, com ela, sua essência, a paz e a calma que tanto merece. Ao fazer isso por você, estará fazendo também por mim. E por todos nós.
* Tom Coelho é educador, conferencista e escritor. É autor de “Sete Vidas – Lições para construir seu equilíbrio pessoal e profissional”,
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