Você chega em casa (as costas doendo, a cabeça pesada) e abre uma cerveja para relaxar. Liga a TV e, enquanto os jornalistas proferem discursos realistas e chocantes, você navega em suas redes sociais. Gatinhos fofos, pratos de comida, check-in em qualquer lugar, sorriso, sorriso, abraço, declaração de amor, sorriso, uma pessoa irritada com a política, alguém divulgando um evento, sorriso, festa, bebida, corpos seminus, sorriso. As redes sociais são o universo mais loucamente paralelo que há.
Basta reparar o pessoal no trabalho, cinema ou em qualquer outro lugar. Uma voltinha no quarteirão já é suficiente para perceber que o semblante das pessoas reais não é o daquelas fotos. A matemática humana fica ainda mais surreal quando se tenta equacionar a mesma pessoa que distribui amor e felicidade nas versões “vida na rede” X “vida real”. A conta geralmente não “bate”.
A internet é um veículo baratinho para se brincar de ator. Atua-se na vida que se gostaria de ter, nos relacionamentos idealizados, nas amizades eternas e plenamente sinérgicas. Atua-se no dinheiro sobrando, nas festas e viagens absurdamente divertidas, nas crises de riso intermináveis, nos corpos prontos para ser espontaneamente clicados. Assim, como quem nem viu a foto sendo feita.
É estranho procurar entender o que motiva alguém a derramar essa suposta felicidade no mundo virtual. É provável que, em grande parte dos casos, a carência por curtidas e comentários espelhe aquela carência afetiva e dolorosa, uma autoestima arranhada, ou uma profunda necessidade de aceitação. Talvez, como tantas blogueiras e pessoas públicas que fazem da falsa perfeição uma curiosa profissão, sejam internautas publicitários de si mesmos, vendendo por um preço exorbitante produtos de qualidade duvidosa e negociando quem fechará a bolsa de valores invertidos mais em alta.
Dia desses, num restaurante divertido e com boa comida, observei um casal muito conhecido publicamente sentar-se à mesa ao lado. Os dois não trocaram uma única palavra, salvo para escolher a comida — sobre a qual, aliás, discordaram — enquanto postavam fotos, respondiam a comentários e tiravam “selfies” de seus rostos bonitos em ângulos diversos. Tomei o cuidado de bisbilhotá-los depois para ver o que haviam postado. Era como se a noite tivesse sido esplendorosa, de papos alegres e maravilhosas histórias compartilhadas. Caramba, eles não tinham trocado uma só palavra. Os casais mais infelizes e complicados que conheço são os que mais se autoafirmam, entre longas declarações e fotos “100% espontâneas”, o amor infinito que devotam entre si.
Por outro lado, se a pessoa realmente for muito feliz e apenas quiser dividir tanto esplendor com o resto do mundo, será mesmo que faz sentido colocar-se à frente dos holofotes? Honestamente, quantos por cento das pessoas observam alguém MUITO feliz em uma foto e lhe desejam boas energias e vida longa? Mesmo que inconscientemente, é natural e humano — infelizmente — invejar o próximo quando imagina que sua própria condição não esteja à altura da de seus semelhantes.
É evidente que tudo isso são elucubrações e você pode estar revoltado. Posso estar errada, posso não estar falando de todos, não sou dona da verdade. Mas procure se lembrar de que o homem é apequenado em sua natureza, humanoide e pouco elevado em seu espírito. Despidos de nosso escudo de polidez e elevação moral, talvez comecemos a pensar que, por trás da vida que tanto exibimos no mundo virtual, existe um mundo de vida aqui dentro que precisa de cuidado real.
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