O
nome é uma característica importantíssima na vida dos seres humanos, afinal, é
o elemento que primeiro nos diferencia e identifica. É pelo nome que nos
apresentamos, somos chamados ou referidos e que consta em todos os nossos
documentos pessoais.
Todas as pessoas têm o direito de serem registradas com um nome, que é considerado, desde o advento do Código Civil de 2002, um direito
da personalidade.
Aliás, trata-se de um direito e um dever ao mesmo tempo. Afinal, o nome
é, também, de interesse coletivo e social. Pessoas que cometem crimes, por
exemplo, serão procuradas e processadas por seu nome.
Características do nome
O
nome, a teor do Código Civil Brasileiro, é o conjunto de prenome e sobrenome. O
meu, por exemplo, é Luíza (prenome) Oliveira Mascarenhas Cançado (sobrenomes ou
apelidos de família).
Com toda a importância que carrega, o nome goza de grande
proteção legislativa. Ninguém pode se utilizar do nome de outra pessoa sem
sua autorização.
Ademais, como um direito da personalidade, o nome é irrenunciável,
intransferível, indisponível, imprescritível e despido de valor
patrimonial.
E quem não reconhece o próprio nome?
Ocorre
que algumas pessoas não gostam de seu nome de registro ou, mais do que não
gostar, não se identificam com o nome que lhes foi dado. Isso acaba se
tornando um grande problema na vida destes indivíduos já que, sendo
uma característica tão importante e reforçada no cotidiano, fica difícil
ignorar o próprio nome.
A pessoa pode simplesmente não gostar do nome por ser de difícil
pronúncia ou excessivamente criativo. Em outros casos, o nome em si pode trazer
algum constrangimento ou não guardar semelhança com os demais elementos da
personalidade daquela pessoa. Um exemplo é quando um nome usualmente utilizado
para homens tenha sido dado a uma mulher.
A não identificação pessoal com o nome, por qualquer motivo que seja,
acaba gerando muito prejuízo para autoestima e para vida da pessoa em sociedade
já que a legislação estabelece que, em princípio, o nome é imutável (art.
58, Lei de Registros Públicos).
Para resolver o problema de forma mais simples, essas pessoas acabam
adotando nomes sociais que nada mais são que nomes que preferem ser chamadas no
cotidiano.
Nome social para pessoas transgêneros
A
sociedade sempre aceitou que as pessoas se valham de nomes sociais, espécies de
apelidos ou pseudônimos, utilizados em substituição ao nome de registro, sem
necessidade de efetiva alteração do nome registral.
Inclusive, os nomes sociais gozam da mesma proteção concedida ao
nome de registro (desde que, é claro, utilizados para atividades
lícitas). A verdade é que, infelizmente, apenas se mostram problemáticos no
caso de pessoas transsexuais.
Basta dizer que ninguém questiona os nomes da Anitta, Fernanda Montenegro, Chay Suede, Cazuza, Tony Ramos ou Silvio Santos. Todos nomes sociais utilizados em substituição, respectivamente, a Larissa, Arlete Pinheiro, Roobertchay Domingues, Agenor de Miranda, Antonio de Carvalho e Senor Abravanel.
Respeita-se sem questionar os nomes sociais utilizados por pessoas
cisgêneros (quem se identifica com o
gênero que lhes foi atribuído ao nascimento), mas continuam relutantes em
respeitá-los no caso das pessoas transgêneros por puro preconceito,
evidenciando ainda mais as dificuldades que estas pessoas enfrentam.
No caso de pessoas transgêneros, a questão é muito mais séria porque a
relutância da sociedade em aceitar o nome social pode expor ao ridículo e até
mesmo ao perigo, já que vivemos no país que mais mata pessoas trans no mundo,
segundo a ONG Transgender Europe.
Alteração do nome de registro
A
dificuldade de aceitação dos nomes sociais é um dos fatos que acaba obrigando
pessoas transgêneros a se submeter a um processo de retificação de nome de
registro, e assim alterar definitivamente seus nomes para serem respeitadas
socialmente.
Infelizmente, com a relutância social para respeitar, somente a
alteração em documentos não oficiais (quando conseguem) não assegura o direito
à dignidade humana que todas as pessoas merecem.
Da mesma forma, embora represente um grande avanço social, o Decreto 8727/2016,
que assegura a possibilidade de utilização do nome social e o reconhecimento da
identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da
administração pública federal direta, autárquica e fundacional, acabou
se mostrando tardio e ineficaz.
Judicialização do processo de alteração do nome
Durante
muitos anos exigiu-se que a alteração do nome ocorresse somente pela via
judicial, obrigando as pessoas a um processo longo, burocrático e extremamente
subjetivo.
Pela via judicial poucas pessoas conseguiam o direito de alterar seus
nomes, sendo este direito ainda mais difícil para as pessoas transgêneros. Isso
porque entendia-se que a imutabilidade do nome deveria ser relativizada apenas
em alguns poucos casos, a critério julgador.
Na prática, algumas pessoas até conseguem alterar o nome de registro
para acrescentar o nome social, sem alteração do restante, tal como a Xuxa, que
passou a chamar-se Maria da Graça Xuxa Meneghel. Entretanto, essa
alteração é logicamente ineficaz no caso de pessoas transexuais.
O processo de alteração de nome das pessoas transgêneros acabava sendo
muito mais burocrático e doloroso, submetendo essas pessoas a extenso
julgamento moral e muitas vezes condicionando a alteração à submissão prévia à
cirurgia de transgenitalização.
Isso, evidentemente, inviabiliza o direito. E, além disso, não são todas
as pessoas transgêneros que querem ou podem realizar a cirurgia.
Julgamento no STF sobre a alteração do nome
Em
março de 2018, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, em uma votação
memorável, a importância de retirar a obrigatoriedade da cirurgia e a
solicitação judicial para a retificação do nome.
Desde então é possível que pessoas trans procedam à alteração do nome em cartório, bastando a autoidentificação como transgênero, e sem condicionamento à cirurgia.
A tese definida foi a seguinte:
i) O
transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de
sua classificação de gênero no registro civil, não se exigindo, para tanto,
nada além da manifestação de vontade do indivíduo, o qual poderá exercer tal
faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa;
ii) Essa alteração deve ser averbada à margem do assento de nascimento, vedada
a inclusão do termo “transgênero”;
iii) Nas certidões do registro não constará nenhuma observação sobre a origem
do ato, vedada a expedição de certidão de inteiro teor, salvo a requerimento do
próprio interessado ou por determinação judicial;
iv) Efetuando-se o procedimento pela via judicial, caberá ao magistrado
determinar de ofício ou a requerimento do interessado a expedição de mandados
específicos para a alteração dos demais registros nos órgãos públicos ou
privados pertinentes, os quais deverão preservar o sigilo sobre a origem dos
atos.”
STF. Tese definida no RE
670.422, rel. min. Dias Toffoli, P, j. 15-8- 2018, Tema 7611
O
julgamento representou uma mudança imensa na vida de pessoas transgêneros proporcionando a facilitação da alteração do nome e visando
assegurar-lhes a dignidade e o respeito no tratamento em sociedade.
Conclusão
Não
há dúvidas no sentido de que o direito ao nome e à identificação com o próprio
nome está intimamente ligado à dignidade humana, sendo essencial o exercício
constante da empatia para que este direito seja ampliado e assegurado também as
pessoas trans.
Neste sentido, a desjudicialização e desburocratização do procedimento
de alteração do nome de pessoas transexuais representa um ganho social
imenso.
Copiado: https://www.aurum.com.br/blog
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