No dia 09/08 deste ano, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei nº 14.193/2021, que institui a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) e dispõe, dentre outros temas, sobre normas de constituição, governança, controle, transparência, meios de financiamento da atividade futebolística e um regime tributário específico, além de alterar as Leis nº 9.615/98 e 10.406/02.
A lei foi criada com a intenção de estabelecer a modernização do atual marco regulatório, no afã de propiciar melhor desenvolvimento dos agentes econômicos da indústria do futebol, hoje bastante combalida devido à grave crise que assola os clubes.
Porém, há coerentes críticas em relação à nova legislação, sobretudo por inviabilizar um regime de tributação mais atrativo do que o existente para as associações.
O momento pelo qual a indústria atravessa é resultado do modelo de propriedade vigente na maioria dos clubes, bem como do seu frágil sistema de exercício de poder.
Com a nova lei, os clubes podem seguir um padrão de empresa, com responsabilidades mais claras a seus administradores e titulares que exercem o controle da entidade.
A SAF poderá ser constituída via operação societária de transformação, ou ainda por meio da cisão do departamento de futebol dos clubes, com a consequente transferência de suas operações relativas ao futebol, podendo a SAF participar normalmente dos mesmos campeonatos que o clube anterior.
Essa inovação é de considerável importância, pois otimiza o patrimônio da empresa nascida e eleva o número de potenciais investidores a entrarem nesse mercado, em razão da maior atratividade do fundo de comércio mais valiosa da empresa recém-constituída.
Não há necessidade de anuência prévia dos credores preexistentes para o desfecho das operações societárias em questão.
A exceção seria estar disposto de modo diverso em negócio jurídico entabulado entre o clube de futebol e seu credor, o que destrava sensivelmente a efetivação de operações societárias afins, mediante o selo de legalidade contra possíveis questionamentos judiciais; que certamente viriam e, na prática, inviabilizariam essa engenharia societária, em prejuízo da melhoria do ecossistema como um todo.
No campo da governança corporativa, ressalte-se que Lei 14.1913/21 determinou que a SAF emitirá obrigatoriamente ações ordinárias de "CLASSE A" para subscrição exclusiva da agremiação.
Enquanto o clube detiver 10% do capital votante, ou mesmo do capital social total da SAF, determinadas deliberações operações societárias somente poderão ser realizadas mediante a anuência do clube.
Ainda no campo da governança, o clube também possuirá direito de veto sobre as matérias definidas nos incisos do §4º do art. 2º da lei, dentre as quais, alteração da denominação, modificação dos signos identificativos da equipe de futebol profissional, incluídos símbolo, brasão, marca, alcunha, hino e cores, além da mudança da sede para outro Município.
Tais medidas são de oportuno equilíbrio e se adequam aos desígnios da razoabilidade, ainda mais no contexto de uma sociedade que vislumbra o futebol como um bem de inegável e relevante valor de nosso patrimônio cultural.
Além disso, o acionista controlador da SAF não poderá deter participação, direta ou indireta, em outra Sociedade Anônima do Futebol. Caso o acionista disponha de 10% ou mais do capital votante ou total de uma determinada SAF (sem a controlar), e também participe do capital social de outra SAF, este indivíduo não terá direito de voz nem de voto nas assembleias gerais, tampouco participará da administração dessas companhias, diretamente ou por pessoa por ele indicada.
Dessa forma, constata-se que a lei dispõe de diversos mecanismos para evitar qualquer tipo de propriedade cruzada ou influência estranha aos interesses desportivos de determinado clube de futebol, preservando a integridade e a competividade inerentes à prática do esporte.
No campo da responsabilidade patrimonial, em princípio, a SAF não responde pelo prazo de dez anos às obrigações do clube que a constituiu, anteriores ou posteriores à data de sua constituição, exceto quanto às atividades específicas do seu objeto social, respondendo pelas obrigações que lhe forem transferidas no protocolo de cisão.
O pagamento aos credores (preexistentes ou posteriores) do clube à data de sua constituição está limitado às receitas próprias e às que lhe serão transferidas pela SAF, nos termos da lei.
Enquanto a SAF cumprir com os repasses previstos em lei, é vedada qualquer forma de constrição ao patrimônio ou às suas receitas para pagamento das obrigações anteriores à sua constituição. Após o prazo de dez anos, a Sociedade responde subsidiariamente pelas dívidas trabalhistas e cíveis, nos limites dos repasses previstos em lei.
Nesse cenário, assevere-se que a SAF pode acessar mecanismos próprios de financiamentos e investimentos, como atração de fundos de investimentos, lançamento e subscrição de ações ou até mesmo a abertura do seu capital em bolsa, o que sem dúvida criará mais atrativos para as competições nacionais. Ganham os clubes e stakeholders que operam nesse mercado que, se bem gerido, também gera ganhos para o Estado brasileiro, com uma maior arrecadação de impostos num futuro próximo.
Por fim, do ponto de vista da insolvência, passa-se agora a ser plenamente viável requerer recuperação extrajudicial ou judicial, sem que seja dado qualquer tipo de contrapartida aos clubes de futebol - e é aqui que talvez resida a maior perda de oportunidade da legislação recém-positivada - ao deixar de criar importante sistema indutivo para que os clubes de futebol se movam rumo à modernização tão desejada pela lei. Idêntico raciocínio aplica-se em relação ao chamado Regime Centralizado de Execução recém-positivado.
O erro pode ter sido fatal para que o atual sucateamento da indústria permaneça e não opere o desejado efeito.
Por Arthur Rodriguez, advogado, e Vitor Lopes, sócio; da Villemor Amaral Advogados
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