No teste de Rorschach — popularmente conhecido na psicologia como o 'teste do borrão de tinta’ — pede-se ao paciente que diga o que enxerga em dez pranchas com manchas de tinta simétricas.
Onde alguns vêem um morcego, outros vêem um coração. Onde para uns há uma cachoeira, para outros há uma abóbora. (A partir das respostas, é possível chegar a conclusões sobre a psique do indivíduo.)
A esta altura dos acontecimentos, é nisto que se transformou a greve dos caminhoneiros — uma 'greve jaboticaba', que une a esquerda e a extrema direita.
Para uns, trata-se de um movimento contra o preço do diesel. Para outros, uma luta contra todos os impostos. Para um terceiro grupo, um protesto contra a corrupção e o Governo Temer. E, para os mais desconectados da realidade (ou traumatizados por ela), um apelo a uma intervenção militar.
Quando a sociedade sequer consegue concordar sobre o significado de um movimento, a saída do atoleiro se torna inegociável. O Governo não tem interlocutores confiáveis, e qualquer medida tomada será sempre insuficiente para alguém. O tecido social — os laços que nos unem enquanto país civilizado — está rasgado, permitindo a entrada de todo tipo de vírus, como o oportunismo, o populismo e o niilismo.
É verdade que os grevistas e seus simpatizantes estão certos em suas inquietações.
Nossa política é corrupta? Certamente.
Nossa carga tributária é altíssima? É.
Estamos sofrendo com o custo da gasolina? É claro.
Mas vamos resolver isso de uma hora para outra, parando o País? Desculpe discordar.
A hora certa de resolver isso é no dia 6 de outubro, quando o povo brasileiro — sem dúvida em sua infinita sabedoria — certamente elegerá alguém que tem todas as respostas... Esperar que um Governo moribundo, com 3% de aprovação, seja capaz de encaminhar soluções para problemas tão complexos é fingir que é possível fazer uma operação cardíaca usando uma enxada.
Mas, em meio a tanta incerteza, uma coisa é certa: essa greve suicida empurrou o Brasil não para a beira, mas para dentro do abismo.
Ela vai levar a uma desorganização da economia e deprimir ainda mais um PIB que lutava para se recuperar, custando empregos e piorando a vida da maioria.
Neste momento, milhares de empresários e microempreendedores sofrem prejuízos para que uma categoria seja beneficiada com uma isenção tributária. (A reforma tributária se tornou ‘chantagem tributária’.)
Mesmo que, ainda hoje, o preço do litro de diesel caia R$ 1, os efeitos perversos que esta greve já criou vão anular qualquer sensação de alívio na economia que o combustível mais barato poderia causar. Quem não vê isto está cego por raiva ou ideologia, nenhuma delas boa conselheira.
A incerteza política no Brasil vai espantar os investimentos e manter o Real em desvalorização — o que vai encarecer o trigo, o pãozinho e…. a gasolina. Todos pagaremos a conta, e os mais pobres (como sempre) pagarão a maior parte.
Alguns fanáticos por esta greve dirão que ‘é preciso sofrimento agora para que se sofra menos depois'. Dizem que estamos no meio de uma ‘revolução’. E que este episódio é igual aos protestos de 2013.
Não é. Em 2013 não faltou comida. Em 2013 os hospitais funcionaram. O brasileiro protestava e voltava para casa no fim do dia. A vida continuava.
Agora é diferente.
Se esta greve continuar ou se alastrar, ela vai gangrenar a economia — e ela vai apodrecer no colo dos mais fracos.
É uma greve que se imagina a favor do Brasil, mas só vai enfraquecê-lo ainda mais.
PS: Os militares podem trazer os tanques, mas não podem dar a Bolsa-Tanque de Gasolina. Podem até fazer alguém se sentir num país mais ‘limpo', mas não podem fabricar ou distribuir dinheiro (o dinheiro não valeria nada, porque a inflação voltaria de uma forma que só quem tem mais de 40 anos conhece…)
Por: Geraldo Samor - http://braziljournal.com/
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