Poucos temas despertam mais polêmica do que a gestão privada de serviços públicos como educação, saúde e segurança.
Para os defensores da privatização, a maior presença empresarial garantiria mais inovação e produtividade, além de maior impulso a investimentos essenciais que o setor público, sozinho, não tem tido fôlego para executar.
Os defensores de maior participação do Estado apontam o risco de os gestores privados enfatizarem o lucro em detrimento da qualidade dos serviços prestados.
Em realidade, avanços recentes em economia organizacional indicam que os dois argumentos têm mérito. Considere um caso particularmente controverso: a gestão privada de prisões. Um empresário cuidando de uma prisão privada tentará maximizar seu lucro cortando custos e melhorando a eficiência dos processos.
Um gestor público, por outro lado, não sendo o dono do negócio, terá menos incentivos para tornar as operações mais produtivas, além de se sujeitar às diversas amarras burocráticas do setor público.
Isso indica que, em geral, a produtividade da gestão privada tenderá a ser maior que a da pública. Porém, os maiores incentivos pró-eficiência, se não devidamente regulados, podem trazer riscos de “probidade” (termo usado por Oliver Williamson, Nobel de Economia em 2009).
Ao cortar custos com as operações, o gestor privado pode também negligenciar serviços essenciais, como ações para ressocialização dos presos, assistência médica, apoio com procedimentos jurídicos, alimentação e vários outros.
Ocorre que esses atributos de qualidade são difíceis de medir e de verificar por meio de contratos. Se esses atributos não forem devidamente controlados, o risco de deterioração da qualidade será, de fato, relevante.
Seria possível atingir o melhor dos mundos, ou seja, uma gestão eficiente e com garantia de probidade?
Em diversos casos, sim. Em uma série de estudos com Sandro Cabral e Paulo Furquim de Azevedo, analisamos a experiência de prisões híbridas no Paraná. Trata-se de modelo híbrido porque o diretor da prisão era um funcionário público responsável por supervisionar a qualidade do serviço da empresa privada. Essas prisões apresentaram menor custo e indicadores de qualidade iguais ou até mesmo superiores aos das públicas. É certo que esta empresa poderia subornar o supervisor para ele fazer vista grossa a cortes de custos afetando a qualidade. Mas, em geral, os diretores das prisões eram funcionários com bom histórico de desempenho e todo o processo era continuamente monitorado por organizações não governamentais e agências do governo.
A outra possibilidade é definir métricas de qualidade do serviço e remunerar os executores privados de acordo com essas métricas. Um projeto-piloto nessa linha foi feito na Inglaterra, em uma prisão financiada por investidores privados. Criou-se um contrato por desempenho, denominado “social impact bond”, prevendo uma remuneração extra aos investidores, caso eles conseguissem reduzir a reincidência criminal dos presos. Com menos presos retornando à prisão, o governo reduz custos de manutenção dos presos e divide parte dessa economia com os investidores.
Concilia-se, dessa forma, retorno financeiro com impacto social. Um avanço dessas tecnologias de medição e pagamento por impacto social pode naturalmente levar o setor privado cada vez mais a assumir funções que antes eram pensadas como responsabilidade integral do Estado.
Infelizmente, por ideologia ou corporativismo, muitos se recusam a discutir a possibilidade de envolver a gestão privada em serviços públicos. As prisões híbridas do Paraná, por exemplo, foram subsequentemente estatizadas por um novo governador seguindo mais o seu viés político do que os dados.
Apesar de termos casos de sucesso de hospitais públicos geridos por institutos privados, pouco ainda se discute como utilizar essa experiência para outras áreas. Está mais do que na hora de deixar ideologias e interesses particulares de lado e garantir serviços públicos com a qualidade e a eficiência que a população brasileira merece.
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