segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

O Trabalho Visível e o Trabalho Invisível

Um dos meus livros preferidos é, sem dúvida, Os Miseráveis, do escritor Victor Hugo. Além da beleza de uma narrativa que descreve dilemas morais de um modo tão humano e profundo, a obra apresenta descrições e imagens tocantes. E uma passagem que gosto muito é essa:

" Não se estar ocioso quando se estar absorvido. Existe o trabalho Visível e o Invisível. " Victor Hugo - livro Os Miseráveis


Algumas atividades das nossas vidas nos exigem dedicação e concentração, mantendo-nos engajados; em outras palavras, ficamos absorvidos na execução da tarefa. Quando a executamos, podemos ou não estar entusiasmados – mas, de todo modo, estamos ativos. No entanto, quando o trabalho não é “visível”, nem sempre obtemos – ou não conseguimos enxergar – as consequências desse nosso engajamento. E quantos trabalhos são invisíveis! Como efeito disso, as pessoas podem se sentir invisíveis, pequenas e desimportantes.
É difícil pensar em uma parte da nossa rotina em que não estamos em atividade. Um ambiente está sempre presente, sinalizando coisas para fazermos. Por vezes estamos absortos lendo um bom livro, vendo um filme, conversando com amigos, pensando ou ouvindo uma música. Já em outras situações o que nos absorve é limpar a casa, lidar com burocracias, cuidar de pessoas. Se estamos no ambiente de trabalho, passamos grande parte do tempo planejando, produzindo, interpretando, lidando com dados ou pessoas, ou criando, antes de obter o “produto final”. Todas essas atividades envolvem muitos comportamentos complexos e dão trabalho. Mas, sob controle apenas do produto final (talvez porque geralmente apenas essa última etapa oferece uma recompensa gratificante),  nem sempre estamos cientes da energia que o todo o processo nos requer.
Ainda, o trabalho pode ser invisível em outro aspecto: as nossas atividades e funções podem ser pouco claras ou pouco definidas: como consequência, o trabalho não se torna importante para quem o executa. Impossível nessa situação ficar satisfeito e dizer “Eu que fiz!” com orgulho  – afinal, para dizer isso é preciso saber exatamente o que se fez e sentir todo o mérito de ter feito. Ampliando o foco desse cenário, é possível enxergar que estamos lidando também com um problema de gestão – o arranjo do ambiente (por um supervisor, um chefe, um gestor, um diretor, uma entidade, etc.) não está sendo devidamente efetuado. Hoje em dia não está difícil se sentir inútil, fracassada(o), desanimada(o) ou impotente.

Mas por que esses sentimentos? 
Basicamente porque o trabalho invisível não pode ser recompensado. É trabalho: você dedica tempo, energia e muito suor para executar suas tarefas. Contudo, é invisível: ninguém (ou quase ninguém) percebe que você o faz – de modo que às vezes nem você mesma(o) o enxerga; dá a sensação de que “não rende” ou que “não tem fim”. Na nossa cultura, a medida de um trabalho relevante ou de sua qualidade é muitas vezes feita pela sua visibilidade. 
Uma comparação entre diferentes profissões do que venho chamando aqui de trabalho visível é ilustrada na seguinte figura abaixo:

O que se coloca é que algumas recompensas ou consequências (monetárias e sociais) para o comportamento dos professores não estão presentes; já para outros profissionais, tais consequências do comportamento são abundantes e constantes. E quem não tem acesso a essas consequências (ou, se há acesso, elas são escassas e/ou pouco frequentes) sabe bem como elas são importantes; em ampla medida, tais consequências são o que nos mantêm ativos e motivados a continuar a desempenhar a tarefa. É a lei mais básica do comportamento humano: a consequência do comportamento determina como a pessoa vai agir no futuro.
Ao descrever esse aspecto da nossa cultura a partir dessa perspectiva, pode-se interpretar que o trabalho de um jogador de futebol é mais visível do que o do professor. A visibilidade se dá não apenas para as recompensas de seu trabalho, mas também para a própria atividade que é desempenhada, sua execução e seus objetivos. Pode ser muito mais fácil para uma criança ou um adulto descreverem como se faz um gol do que como se elabora um Plano de Ensino. Além disso, a ideia abstrata e vaga (ou invisível) de que professor é aquele que “(só) ensina” (que consiste, na realidade, de um conjunto de comportamentos específicoscomplexos e de extrema relevância social) faz com que os profissionais dessa categoria não sejam devidamente reconhecidos, e, por uma cadeia de infelicidades, se sintam pequenos, invisíveis e impotentes.
Em um mundo ideal, todos os trabalhos (e de todas as pessoas) seriam visíveis. O trabalho “renderia”, e teria não só um fim, mas também um progresso bom de ser percorrido. A pessoa que o executa saberia a função do seu trabalho e sua importância. Enxergaria seus feitos a todo momento e se sentiria bem ao ver o seu desempenho regularmente, assim como suas conquistas e sucessos. Além disso, não só ela enxergaria o trabalho e seus efeitos, como também as outras pessoas com quem se relaciona – seu chefe, seus colegas, seus clientes ou seus filhos. Ainda, “ser competente” para solucionar problemas na empresa não seria uma frase abstrata, mas sim um conjunto de atividades e objetivos observáveis, palpáveis e atingíveis, passíveis de serem também reconhecidos e recompensados em cada etapa. Haveria “torcida”, “incentivo”, “elogios”, “admiração” e “prestígio” por onde a pessoa passasse, e ela estaria motivada a continuar se engajando na tarefa. 
Essas consequências também estariam presentes em outras dimensões: para a mãe que cuida do filho, o homem que limpa sua casa, o funcionário que embala objetos, o publicitário que trabalha com criação, o pesquisador que trabalha com dados, a professora que ensina o aluno, o gestor que gerencia desempenhos e o funcionário que executa suas atividades.
A boa notícia é que um cenário em que todos os trabalhos são visíveis é sim possível: as atividades podem ser descritas a ponto de torná-las visíveis: ou seja, ao especificar atividades em termos de comportamentos, os quais devem ser mensuráveis e observáveisComportamentos e suas consequências tornam-se mais concretos, fazendo com que as pessoas enxerguem tenham contato com suas ações e resultados. Isso é matéria do campo da Gestão de Desempenho (em inglês, Performance Management), uma aplicação dos princípios de aprendizagem da Análise do Comportamento para a vida das pessoas, em nível individual ou em grupo. Essa abordagem científica para lidar com comportamento tornou-se especialmente conhecida nas Organizações com as estratégias da Gestão do Comportamento em Organizações (em inglês, Organizational Behavior Management, ou OBM), mas pode ser aplicada para todos os contextos em que haja pessoas: nas escolas, no ambiente de trabalho, em casa, em grupos, etc. 

A Gestão de Desempenho pode se aplicar a objetivos profissionais ou pessoais – afinal, nossas promessas de Ano Novo que não são cumpridas podem também estar descritas de forma vaga, inatingível, abstrata e desvinculada da nossa rotina. 

Convém esclarecer que o termo não consiste em uma abordagem de Avaliação de Desempenho de funcionários – a Gestão de Desempenho é uma aplicação ampla da Análise do Comportamento para contextos em que dificuldades de execução, aquisição e manutenção de atividades estão presentes; o foco de análise está nas relações entre o ambiente e todas as pessoas envolvidas. A Gestão de Desempenho é um processo sistemático e orientado por dados que tem mostrado sua efetividade e melhorado ambientes em mais de 30 anos de história, fazendo com que pessoas se comportem na direção desejada e gostem de fazer o que fazem, através da análise do que ocorre antes e depois do comportamento.
Como fica evidente, há mais coisas entre uma atividade e a sua execução do que se pode imaginar. Afinal de contas, comportar-se em direção a objetivo(s) mostra-se desafiador, para todas as pessoas, e em diversos contextos. Mas me parece que quanto mais visível for o trabalho, a atividade ou a meta, maiores as chances de sucesso. E o próximo pesquisador do Projeto é reconhecido por criar sólidas bases e diversos nortes para a área de Gestão de Desempenho e Gestão do Comportamento em Organizações.
Quão visível é o seu trabalho? Quão visível são suas metas? Quão visível você se sente? 

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