Vocês me perguntam: este Projeto de Lei está na direção correta ou apenas é um ataque aos direitos e garantias ao trabalho, tão bem insculpidos na nossa CLT? Eis aí uma questão reiteradamente colocada em todos os cantos.
Eu lhes respondo: em verdade, esse Projeto de Lei vai na direção correta, vai contra a vanguarda do atraso, a marcha da insensatez representada pelos interesses de tantos quantos pretendem manter o passado presente, o status quo eternizado.
Há uma esdrúxula, extravagante e bizarra aliança no Brasil hoje em favor de bloquear a modernização da nossa economia, que precisa ir a favor do progresso, em direção aos conceitos e às práticas atuais da gestão e da economia do mundo desenvolvido. Precisamos passar a praticar, fazer e a tratar gerencialmente e legalmente em nosso país o que já é o feijão com arroz da vida econômica globalizada: como bem disse Peter Drucker, “não há país subdesenvolvido, há país subadministrado”. A nova lei finalmente propiciará uma nova forma de gestão dos trabalhadores terceirizados em nosso país.
Como ficará o PL transformado em lei pelo Congresso? Bem, isso eu não sei, mas o conceito básico inscrito no PL está na direção correta. É um passo essencial.
Quando avalio os resultados previsíveis de qualquer projeto de lei em tramitação numa casa legislativa, sempre me socorro da velha máxima de Bismarck: “se o povo soubesse como são feitas as salsichas e as leis, não comeriam salsichas nem acreditariam em leis”.
Vamos ver como vai se transformar este projeto, efetivamente, em lei, mas não há dúvidas de que estamos na direção correta, daí porque tanta reação contrária daqueles que querem manter a situação vigente.
É evidente que a nossa profissão não pode ficar ausente deste debate. A CLT, que à época, em 1943, era muito progressista e avançada para o Brasil daquele tempo, hoje não mais atende às nossas necessidades, pior do que isso, atravanca o desenvolvimento. A nossa realidade econômica e social 80 anos depois impõe novos conceitos e práticas, novas leis e novas regras, necessariamente contemporâneas com o mundo da globalização em que vivemos.
Novas circunstâncias, novas realidades precisam ser atendidas e consideradas nos regramentos protetivos e facilitadores do trabalho. Dentre estes se destaca proteger e desprecarizar o trabalho terceirizado.
Se considerarmos hoje o Brasil como a 7ª economia do mundo, que abrigamos uma população de mais de 200 milhões de habitantes vis-à-vis à época da edição da CLT em que tínhamos apenas cerca de 30 milhões de habitantes e uma economia incipiente, agrária e monocultora de café, pode-se facilmente compreender que aquele Brasil há muito não existe mais. Mas essa quimera passadista é permanentemente revisitada numa CLT que teima em se manter inalterada, dando vida ao que não mais pode existir. É preciso contemporizá-la aos tempos presentes.
Manter a atual realidade das relações de trabalho significa congelar o passado-presente, manter à margem das leis protetivas do trabalho as imensas legiões de trabalhadores terceirizados, cuja precariedade clama por um brado de libertação e de cidadania.O trabalhador terceirizado é o novo pária das relações de trabalho no Brasil. É preciso desprecarizar com as devidas proteções o trabalho terceirizado.
Então, você me pergunta: “O Brasil precisa realmente regulamentar as relações do trabalho terceirizado? É realmente necessária uma lei de regulação da terceirização? Não seria melhor esperar um pouco mais para ver quais rumos vão ser naturalmente tomados?”
A terceirização é uma realidade presente em todo o mundo, e também no Brasil, obviamente. É claro — não poderia ser diferente também aqui:
- Existem em nosso país mais de um milhão de empresas de prestação de serviços terceirizados e até de quarteirização;
- Estimam-se de 12 a 15 milhões de trabalhadores terceirizados atualmente existentes.
Não reconhecer esta realidade e adotar as regras adequadas de proteção para tantos trabalhadores terceirizados, e também de adotar regramentos de funcionamento e até a imposição de limites e de constrangimentos para tantas empresas terceirizadas, é continuar a incidir no despropósito e na desfaçatez.
Alerto ainda: parcela substantiva dessas empresas tem em seu objeto social a obrigatoriedade de registro em nosso Sistema CFA/CRAs, o que alavanca ainda mais as nossas responsabilidades e compromissos de engajamento e envolvimento na mudança do atual quadro de circunstâncias.
Há muita gente apresentando o status quo da existência, nos termos atuais, do trabalho terceirizado como uma das nossas vantagens competitivas, como se tal fosse uma de nossas virtudes. Foi assim também com a escravatura: era importante para manter o equilíbrio da economia agrária do Império ativa e forte por meio da exploração do braço escravo. Por isso, Brasil e Cuba foram os últimos países a libertar os escravos africanos em todo o mundo. É assim também hoje com diversas formas de exploração do trabalho indecente, do trabalho do menor, da mulher, do idoso, do portador de deficiência, e, por que não, também do trabalho terceirizado. Estamos sempre a reboque da história!
Não há justificativa para tratamento tão desigual com os trabalhadores da prestação de serviços terceirizados em nosso país. O empregado da contratante e o da terceirizada devem ser parceiros, receber tratamento equitativo, de mesma natureza. Apenas o que os distingue é a natureza jurídica das relações de trabalho que mantém com o contratante.
Avançamos bastante em relação às regras da família: casamento do mesmo sexo, adoção de crianças, relações monoparentais. Mas reagimos no mundo do trabalho à contextualização do Brasil com o que se faz há décadas nos países desenvolvidos. Resistimos a nos incorporarmos à sociedade globalizada.
Esta é uma questão que não se discute no 1º mundo desde os anos 1950/1960, logo após a II Guerra Mundial. Está resolvida.
Paradoxalmente aqui entre nós, aqueles que defendem os avanços, com razão, no campo da família, mesmo nos sindicatos e nos movimentos sociais, são os mais fervorosos opositores à desprecarização do trabalho terceirizado.
É claro que há muitas organizações de terceirização de serviços que são sérias e respeitadoras da legislação básica do trabalho. Mesmo assim, ficam à mercê dos despropósitos de uma atividade não regulamentada, portanto sempre afeita a toda sorte de aventureiros, picaretas e ilicitudes.
É preciso garantir, repito, aos empregados terceirizados o mesmo tratamento dado aos empregados da contratante. É preciso desprecarizar através da edição de uma legislação protetiva própria. É nesta linha que precisa se dirigir o projeto.
Por:Adm. Wagner Siqueira - Presidente do Conselho Federal de Administração (CFA).
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