Não aprecio o jeito de José Sarney fazer política. Considero seu estilo um retrato do que o país tem de mais anacrônico, mas é inegável que ele tem muito a ensinar…
Quem estiver interessado em entender a política brasileira, não pode deixar de prestar atenção quando ele concede uma entrevista. Diante de certas indagações, qualquer outro político silencia; ele não, revela as engrenagens que movimentam o Brasil com uma didática que impressiona. José Sarney revela, sem pudores, como funcionam as coisas no lado debaixo do Equador…
Não é novidade, Sarney tem história. Esteve no PSD, UDN, UDN “Bossa Nova” (de centro esquerda) e no PDS. Conseguiu algo difícil: ser presidente da Arena e do PMDB. Para os mais jovens, explico: seria algo como ser líder em Israel e na Palestina em épocas diferentes…
Não dispensou nada. Elegeu-se governador do Maranhão com o apoio da Revolução de 64, cultivando, como ninguém, um senso de oportunismo admirável.
Na vitória e na derrota, esteve sempre no lugar e na hora certa. Agora, em outro século, continua forte, sentado numa cadeira que lhe dá o poder que parece querer conservar até o fim de seus dias…
Na semana passada, ele deu uma entrevista exclusiva ao jornal “Zero Hora”, de Porto Alegre. Os jornalistas apresentaram o entrevistado lembrando que a sua marca é a discrição, identificada na economia de gestos, e na elegância com que trata os interlocutores. Disseram também que, se houve algum tipo de irritação diante de alguma pergunta, ela foi escamoteada sem que ele precisasse franzir a face… Foi da vaia do Rock in Rio ao uso do helicóptero da PM do Maranhão, sempre observando a famosa “liturgia do cargo” celebrizada por ele…
Vale a pena comentar alguns tópicos da entrevista.
Uma passagem marcante acontece quando ele comenta os apoios políticos.
Diz: “Lula foi à minha casa pedir apoio”. Muitos não tinham conhecimento desse fato, agora ele revela finalmente quem era apoiador, quem era apoiado…
Aos 81 anos, o senador deixa claro algo que muitos ainda não tinham entendido.
Perguntado por que o Congresso não vota a reforma política, ele explicou que “o parlamento eleito por determinadas regras cria um conservadorismo que é difícil de mudar porque cada um considera que sua reeleição depende das regras com que foi eleito”.
Simples pra quem é do ramo… Mas é lamentável que o eleitorado não saiba, exatamente, que regras afinal são estas…
Perguntado se ele tem tanto poder quanto lhe atribuem, disse que “gostaria de ter 1% do poder que a mídia lhe atribui”…, que “estão conferindo a ele inclusive os invernos bons e os ruins”.
Que “pelo menos a seca do Rio Grande do Sul ainda não lhe foi atribuída”.
Fiquei impressionado: como podem atribuir ao senador invernos bons e ruins…
Mas ele tem razão, ainda “não lhe atribuíram a seca no sul”.
E quanto às outras coisas que lhe são atribuídas? Não houveram respostas pela singela razão de que nada lhe indagaram…
Mas uma pergunta não poderia faltar.
Por que o único presidente que não foi seu aliado – Fernando Collor – caiu?
Ele esclareceu: “tenho sido aliado de alguns governos, mas já fui oposição durante muito tempo…”.
Disse que “Fernando Henrique e Lula foram a sua casa lhe pedir apoio” e que “acha injusto quando dizem que apóia todos os governos”.
E Dilma? Também foi a sua casa lhe pedir ajuda? –
Não, “eu já tinha uma aliança com o PT”. Como sempre, usou poucas palavras para explicar muitas coisas…
Encerrou com um ensinamento antológico sobre o uso do tal helicóptero da PM do Maranhão para passeios. Confrontado com uma pergunta que poderia ser embaraçosa para políticos inexperientes, ele deu uma resposta lapidar, que não deixa dúvidas sobre seu pensamento sobre esse tipo de assunto:
“Quando a legislação diz que o presidente do Congresso tem direito a transporte de representação, estamos homenageando a democracia, cumprindo a liturgia das instituições”.
Não é à toa que a liturgia é algo sagrado pra ele…
Finalizando, digo que depois de ouvir tudo o que ele falou, senti vontade de me ajoelhar na sua frente e pedir perdão por ter imaginado, um dia, que ele seria capaz de cometer atos que pudessem ferir a “liturgia”…
Não consegui deixar de lembrar o antigo ensinamento de que cada um tem a história de vida que merece.
Grande Sarney!
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