sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Nossas Negociações Diárias


 
Muitos de nós, logo pela manhã ao acordar, precisa negociar. Quem vai levar o filho na escola? Quem vai levar o cachorro para tomar banho? Quem estará encarregado dos afazeres domésticos daquele dia?

Ou ainda, quem vai fazer uma pequena compra no mercado na volta do trabalho? A que horas? Qual marca vai comprar?


Em uma esfera maior, quem irá cuidar das finanças da casa? Qual escola o filho irá frequentar? Qual médico consultar?


São inúmeras decisões a serem tomadas, uma seguida da outra e até mesmo uma sobrepondo outra.


Quando uma decisão a ser tomada implica alguém além de nós mesmos, envolve uma negociação. Pela definição do mediador e negociador norte-americano, Willian Ury, no livro Como Chegar ao Sim com Você Mesmo:


“Negociar é desenvolver qualquer comunicação interpessoal, de mão dupla, na tentativa de chegar a um acordo entre as partes.”


E na maioria das vezes, fazemos isso tão automaticamente que sequer chegamos a perceber e a realizar o que estamos fazendo.


Em meados deste ano pandêmico, na primeira turma do curso Desvendando Harvard, minha amiga e mentora, Ana Luiza Isoldi, perguntou para a turma, quem se lembrava de qual havia sido a nossa primeira negociação? Silêncio total na sala Zoom. Confesso que esta pergunta deu um nó na minha cabeça e me remeteu imediatamente à minha primeira infância e às minhas negociações para receber o carinho dos meus pais, em meio aos meus 8 irmãos. Lembro perfeitamente da sensação de que era vital ser um exímio negociador com a certeza de que eu nem sabia o que estava fazendo.


No nosso dia-a-dia, no trabalho, negociamos com os colegas, com nossos chefes, superiores, com os colaboradores e principalmente com os nossos clientes. Negociamos com os fornecedores, parceiros e toda a gama de pessoas das nossas relações. Assim, querendo ou não, negociamos desde o momento em que acordamos ao momento de irmos dormir, com a luz acesa ou não, com a TV ligada ou não, a depender da negociação que você terá de fazer com quem estiver com você.


É só pensar nas mais recentes decisões tomadas nos últimos tempos e quantas delas você conseguiu tomar sozinho, sem ter de negociar um pouquinho que seja com alguém e quantas, destas decisões tomadas, você teve de recorrer a outros e negociar.


Acredito estarmos vivendo neste momento, a grande Revolução Negocial, que entendo como a mudança na forma como os indivíduos, instituições e organizações tomam suas decisões. Nesta revolução também está incluído o fato de que cooperar é melhor que competir. Isto vale para qualquer contexto.


Há muito pouco tempo, o método de tomada de decisões dominante ao redor do planeta era obviamente hierárquico. Salvo alguns pontos isolados e fora da curva, quem estava no topo da pirâmide decisória — no trabalho, na família, na sociedade tomavam as decisões top-down e as demais pessoas envolvidas seguiam as diretrizes ou ordens.


O mundo e as pessoas mudaram. O papel dos empresários, executivos, advogados e daqueles que lidam com processos de tomadas de decisões, mudou consideravelmente.


Não podemos hoje, somente contar com o poder da emissão de ordens, quer com os colaboradores na empresa ou com os filhos e família dentro da nossa própria casa. As pirâmides decisórias se tornaram redes de negociações contínuas e percebemos um ritmo frenético nelas, com uma pulsação volumosa. Existe uma necessidade legítima de todos, na participação na tomada das decisões.


Podemos constatar que as melhores decisões provêm da exploração de diferentes cenários e pela busca de soluções criativas, dentro de uma cultura de colaboração, de fluxo de informações com transparência e comprometimento. É a confirmação de que o interesse comum deve se sobressair aos interesses individuais, em um processo inclusivo e acolhedor.


No mundo dos negócios e em nosso cotidiano, nosso trabalho é realizado de forma estruturada por equipes ou forças-tarefas, com muitas cabeças pensando para um objetivo comum, portanto, muitas negociações a serem feitas há cada minuto.

Quantas joint-ventures vemos acontecendo costumeiramente, quantas alianças estratégicas e fusões e aquisições. Todas estas formas pressupõe a negociação como base de sobrevivência.


E no mundo dos influencers digitais e Startups? Quantas “colabs” são realizadas o tempo todo. São negociações contínuas com renegociações a cada modificação do cenário negocial que se apresenta. Sabemos então, que o sucesso e a rentabilidade dos negócios estão diretamente ligados com as negociações feitas.

Parcerias e contratos relacionais com cláusulas bastante abertas, sem engessamentos e limitações, com DNA na cooperação e colaboração entre os envolvidos, com objetivo claro para todos, em conjunto, atingirem objetivos comuns é o que se tem de mais moderno no mundo jurídico.


Evoluímos tanto neste sentido que a Mediação e dentro dela, as mais legítimas negociações, avança a passos largos, em todos os setores da nossa sociedade e em nossas relações pessoais e familiares, para ser um poderoso espaço estruturado, criativo e colaborativo para fluxo de informações, entendimento das possibilidades e tomada de decisão.


Apesar da negociação ser um fato da vida, do nosso cotidiano, não é tão simples assim e existem inúmeras habilidades, ferramentas e conhecimentos que são necessários para se negociar em toda sua complexidade. Separar as pessoas dos problemas, Concentrar-se nos interesses, Criar opções, Estabelecer Critérios, Ir ao balcão, Construir a ponte dourada, Olhar além da Razão ou Cuidar do terceiro lado, são algumas delas. Reconhecimento e respeito pelo Outro. Acolhimento e Escuta aguçada somadas ao mais puro exercício de Empatia, são outras habilidades necessárias. E não para por aqui.


Acabamos de vir , com uma turma maravilhosa e envolvida, de um o profundo mergulho em parte dos livros desenvolvidos pelos profissionais de Harvard, tais como Willian Ury, Roger Fisher, Daniel Shapiro, Bruce Patton, dentre outros, com leitura sistematizada e compartilhada destas obras primas da negociação desenvolvida pela escola de Harvard. Willian Ury, para quem ainda não o conhece, é reconhecido como um dos maiores especialistas em negociação do mundo contemporâneo e também é co-fundador do Program of Negociation, da Harvard University.


Ury afirma, depois de mais de 30 anos negociando profissionalmente, inclusive em disputas entre governos e em áreas militarizadas, que descobriu que os maiores obstáculos para conseguirmos o que que queremos em nossa vida, não são os Outros, mas nós mesmos! Isso aí! Nós mesmos, por mais intratáveis que sejam as pessoas com quem estamos negociando. Parece auto-ajuda, mas não é.

Então, quer negociar bem? Comece por você mesmo!


Quer negociar melhor? Prepare-se! Estude. Dedique-se àquilo que está para fazer. Cada negociação é diferente por mais que alguns dos elementos básicos não mudem em suas variações.


Qualquer negociador deve saber que lidar com questões pessoais e humanas do início ao fim da negociação será a sua canção. Os negociadores, antes de qualquer adjetivo, são pessoas, e trazem para a mesa de negociação suas emoções, suas crenças, valores e seus mais profundos sentimentos e necessidades pessoais.

Há muito trabalho a ser feito antes de qualquer negociação.


E negociação tal como a Mediação se aprende com muita dedicação, estudo, contínua preocupação com o autoconhecimento e prestando muita atenção na prática diária, para o aperfeiçoamento constante.


É necessário hoje, mudarmos a chave interna no entendimento da negociação, passando para a ressignificação, com uma visão de que as partes que estão negociando são pessoas que trazem as suas emoções para a mesa de negociação e possuem verdadeiros e legítimos interesses, a partir de um profundo autoconhecimento e reconhecimento do Outro para um processo de respeito, inclusão e construção do consenso para atender à todas as necessidades e demandas.

Em uma negociação colaborativa, a falta de disposição em revelar informações e reais interesses impede a criação de soluções e alternativas para as questões impostas:

o Ameaças.

o Ofertas de “pegar ou largar”.

o Concessões mínimas e exigências extremas.

o Ofensas.

o Insultos, ironias e sarcasmo.

o Bad Cop e Good Cop.


São comportamentos oriundos de treinamentos ultrapassados e que não condizem com as melhores práticas contemporâneas e tendem a exacerbar os conflitos e negligenciar as possibilidades de conexão e composição.


Recentemente ouvi um Webinar do próprio Willian Ury no PON (Program of Negociation) de Harvard, e ele afirma ser um “possibilist”, ou seja, é um cara que acredita nas possibilidades. Eu adorei esta definição para um negociador e um Mediador. Aquele que acredita que podem ser encontradas possibilidades. A Mediação, por sua vez, sempre deve ser vista como um mecanismo de exploração de possibilidades, principalmente em um ambiente empresarial.


Por sua vez, em uma negociação colaborativa e prospectiva, mesmo que não se encontre o melhor universo possível para as partes, pode-se encontrar um acordo sábio e ainda melhor do que outra alternativa que se tenha fora da mesa, mantendo-se assim as boas relações e prospectando novas oportunidades e possibilidades.


A Mediação sendo entendida como um processo de fluxo de informações e de conhecimento a respeito específico de um determinado assunto, para ser tomada uma decisão, faz com que o conhecimento de um, somado ao conhecimento de outro, multiplique a quantidade e a qualidade de informações expostas, aumentando-se, assim, as possibilidades de alternativas para se compor o melhor resultado para todos.


Não há limitações para conhecimento e informações. Esta preciosidade, não é um bem finito, que se esgote por si só. Muito pelo contrário, quanto mais deste quesito fluir em uma Mediação, melhor será a fase de negociação a ser enfrentada pelos envolvidos, pois todos irão se beneficiar dos conhecimentos expostos e das informações trocadas.


E, o conhecimento se expande quando trocado. É tal como fosse uma Lei da Física do Entendimento Humano. Quanto mais cooperação existir na troca de conhecimentos e informações, mais abundante será o conhecimento.

Cada vez mais vemos que no cenário atual dos negócios, a habilidade de um negócio competir, depende, de forma bem paradoxal, da habilidade de seus gestores em cooperar e compartilhar.


Aprimorar o relacionamento entre os envolvidos para existir confiança no processo e nas partes é a chave para que todos estejam dispostos a utilizar técnicas de negociação cooperativa, trocar informações com maior abertura e entender as perspectivas e interesses do Outro com empatia.


As negociações de hoje, devem ser aprendizados, onde as melhores soluções surgem do verdadeiro entendimento do que se deseja, da exposição franca dos problemas, do processo de aprendizado conjunto entre aqueles que partilham as informações e abrem-se para os reais interesses, preocupações e buscam, por fim, gerar muitas opções criativas que beneficiem a todos. Com certeza o resultado final será algo além daquilo que quem estava na mesa de negociação imaginou. E isto faz da Mediação, a qual esta negociação está inserida como uma das etapas, o tão poderoso processo de fluxo de informações com a final tomada de decisões voluntárias.


Então, este é um convite para que todos nós estejamos atentos ao Outro, para que prestemos atenção em nossas inúmeras negociações diárias, acolhendo aquilo que nos é entregue, com Respeito e Inclusão. E quanto mais praticarmos e mais prestarmos atenção ao processo e aos ensinamentos trazidos pelo próprio processo, refletindo e aprimorando as técnicas, melhores negociadores seremos.


Bom divertimento em suas próximas negociações. Porque a partir de agora você as verá de outra maneira.

 Copiado: https://algimediacao.medium.com/ por José Mangini

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