Muitos de nós, logo pela manhã ao acordar, precisa negociar. Quem vai levar o filho na escola? Quem vai levar o cachorro para tomar banho? Quem estará encarregado dos afazeres domésticos daquele dia?
Ou ainda, quem vai fazer uma pequena compra no mercado na volta do trabalho? A que horas? Qual marca vai comprar?
Em uma
esfera maior, quem irá cuidar das finanças da casa? Qual escola o filho irá
frequentar? Qual médico consultar?
São
inúmeras decisões a serem tomadas, uma seguida da outra e até mesmo uma
sobrepondo outra.
Quando
uma decisão a ser tomada implica alguém além de nós mesmos, envolve uma
negociação. Pela definição do mediador e negociador norte-americano, Willian
Ury, no livro Como
Chegar ao Sim com Você Mesmo:
“Negociar é desenvolver qualquer comunicação interpessoal, de mão
dupla, na tentativa de chegar a um acordo entre as partes.”
E na
maioria das vezes, fazemos isso tão automaticamente que sequer chegamos a
perceber e a realizar o que estamos fazendo.
Em
meados deste ano pandêmico, na primeira turma do curso Desvendando
Harvard, minha amiga e mentora, Ana Luiza Isoldi, perguntou para
a turma, quem se lembrava de qual havia sido a nossa primeira negociação?
Silêncio total na sala Zoom. Confesso que esta pergunta deu um nó na minha
cabeça e me remeteu imediatamente à minha primeira infância e às minhas
negociações para receber o carinho dos meus pais, em meio aos meus 8 irmãos.
Lembro perfeitamente da sensação de que era vital ser um exímio negociador com
a certeza de que eu nem sabia o que estava fazendo.
No
nosso dia-a-dia, no trabalho, negociamos com os colegas, com nossos chefes, superiores,
com os colaboradores e principalmente com os nossos clientes. Negociamos com os
fornecedores, parceiros e toda a gama de pessoas das nossas relações. Assim,
querendo ou não, negociamos desde o momento em que acordamos ao momento de
irmos dormir, com a luz acesa ou não, com a TV ligada ou não, a depender da
negociação que você terá de fazer com quem estiver com você.
É só
pensar nas mais recentes decisões tomadas nos últimos tempos e quantas delas
você conseguiu tomar sozinho, sem ter de negociar um pouquinho que seja com
alguém e quantas, destas decisões tomadas, você teve de recorrer a outros e
negociar.
Acredito
estarmos vivendo neste momento, a grande Revolução Negocial, que entendo como a
mudança na forma como os indivíduos, instituições e organizações tomam suas
decisões. Nesta revolução também está incluído o fato de que cooperar é melhor
que competir. Isto vale para qualquer contexto.
Há
muito pouco tempo, o método de tomada de decisões dominante ao redor do planeta
era obviamente hierárquico. Salvo alguns pontos isolados e fora da curva, quem
estava no topo da pirâmide decisória — no trabalho, na família, na sociedade
tomavam as decisões top-down e as demais pessoas envolvidas seguiam as
diretrizes ou ordens.
O mundo
e as pessoas mudaram. O papel dos empresários, executivos, advogados e daqueles
que lidam com processos de tomadas de decisões, mudou consideravelmente.
Não
podemos hoje, somente contar com o poder da emissão de ordens, quer com os
colaboradores na empresa ou com os filhos e família dentro da nossa própria
casa. As pirâmides decisórias se tornaram redes de negociações contínuas e
percebemos um ritmo frenético nelas, com uma pulsação volumosa. Existe uma
necessidade legítima de todos, na participação na tomada das decisões.
Podemos
constatar que as melhores decisões provêm da exploração de diferentes cenários
e pela busca de soluções criativas, dentro de uma cultura de colaboração, de
fluxo de informações com transparência e comprometimento. É a confirmação de
que o interesse comum deve se sobressair aos interesses individuais, em um
processo inclusivo e acolhedor.
No
mundo dos negócios e em nosso cotidiano, nosso trabalho é realizado de forma
estruturada por equipes ou forças-tarefas, com muitas cabeças pensando para um
objetivo comum, portanto, muitas negociações a serem feitas há cada minuto.
Quantas joint-ventures vemos acontecendo costumeiramente, quantas alianças estratégicas e fusões e aquisições. Todas estas formas pressupõe a negociação como base de sobrevivência.
E no
mundo dos influencers digitais e Startups? Quantas “colabs” são realizadas o
tempo todo. São negociações contínuas com renegociações a cada modificação do
cenário negocial que se apresenta. Sabemos então, que o sucesso e a
rentabilidade dos negócios estão diretamente ligados com as negociações feitas.
Parcerias
e contratos relacionais com cláusulas bastante abertas, sem engessamentos e
limitações, com DNA na cooperação e colaboração entre os envolvidos, com
objetivo claro para todos, em conjunto, atingirem objetivos comuns é o que se
tem de mais moderno no mundo jurídico.
Evoluímos
tanto neste sentido que a Mediação e dentro dela, as mais legítimas
negociações, avança a passos largos, em todos os setores da nossa sociedade e
em nossas relações pessoais e familiares, para ser um poderoso espaço
estruturado, criativo e colaborativo para fluxo de informações, entendimento
das possibilidades e tomada de decisão.
Apesar
da negociação ser um fato da vida, do nosso cotidiano, não é tão simples assim
e existem inúmeras habilidades, ferramentas e conhecimentos que são necessários
para se negociar em toda sua complexidade. Separar as pessoas dos problemas,
Concentrar-se nos interesses, Criar opções, Estabelecer Critérios, Ir ao
balcão, Construir a ponte dourada, Olhar além da Razão ou Cuidar do terceiro
lado, são algumas delas. Reconhecimento e respeito pelo Outro. Acolhimento e
Escuta aguçada somadas ao mais puro exercício de Empatia, são outras
habilidades necessárias. E não para por aqui.
Acabamos
de vir , com uma turma maravilhosa e envolvida, de um o profundo mergulho em
parte dos livros desenvolvidos pelos profissionais de Harvard, tais como
Willian Ury, Roger Fisher, Daniel Shapiro, Bruce Patton, dentre outros, com
leitura sistematizada e compartilhada destas obras primas da negociação
desenvolvida pela escola de Harvard. Willian Ury, para quem ainda não o
conhece, é reconhecido como um dos maiores especialistas em negociação do mundo
contemporâneo e também é co-fundador do Program of Negociation, da Harvard
University.
Ury
afirma, depois de mais de 30 anos negociando profissionalmente, inclusive em
disputas entre governos e em áreas militarizadas, que descobriu que os maiores
obstáculos para conseguirmos o que que queremos em nossa vida, não são os
Outros, mas nós mesmos! Isso aí! Nós mesmos, por mais intratáveis que sejam as
pessoas com quem estamos negociando. Parece auto-ajuda, mas não é.
Então,
quer negociar bem? Comece por você mesmo!
Quer
negociar melhor? Prepare-se! Estude. Dedique-se àquilo que está para fazer. Cada
negociação é diferente por mais que alguns dos elementos básicos não mudem em
suas variações.
Qualquer
negociador deve saber que lidar com questões pessoais e humanas do início ao
fim da negociação será a sua canção. Os negociadores, antes de qualquer adjetivo,
são pessoas, e trazem para a mesa de negociação suas emoções, suas crenças,
valores e seus mais profundos sentimentos e necessidades pessoais.
Há
muito trabalho a ser feito antes de qualquer negociação.
E
negociação tal como a Mediação se aprende com muita dedicação, estudo, contínua
preocupação com o autoconhecimento e prestando muita atenção na prática diária,
para o aperfeiçoamento constante.
É
necessário hoje, mudarmos a chave interna no entendimento da negociação,
passando para a ressignificação, com uma visão de que as partes que estão
negociando são pessoas que trazem as suas emoções para a mesa de negociação e
possuem verdadeiros e legítimos interesses, a partir de um profundo
autoconhecimento e reconhecimento do Outro para um processo de respeito,
inclusão e construção do consenso para atender à todas as necessidades e
demandas.
Em uma
negociação colaborativa, a falta de disposição em revelar informações e reais
interesses impede a criação de soluções e alternativas para as questões
impostas:
o
Ameaças.
o
Ofertas de “pegar ou largar”.
o
Concessões mínimas e exigências extremas.
o
Ofensas.
o
Insultos, ironias e sarcasmo.
o Bad
Cop e Good Cop.
São
comportamentos oriundos de treinamentos ultrapassados e que não condizem com as
melhores práticas contemporâneas e tendem a exacerbar os conflitos e
negligenciar as possibilidades de conexão e composição.
Recentemente
ouvi um Webinar do próprio Willian Ury no PON (Program of Negociation) de
Harvard, e ele afirma ser um “possibilist”, ou seja, é um cara que acredita nas
possibilidades. Eu adorei esta definição para um negociador e um Mediador.
Aquele que acredita que podem ser encontradas possibilidades. A Mediação, por
sua vez, sempre deve ser vista como um mecanismo de exploração de
possibilidades, principalmente em um ambiente empresarial.
Por sua
vez, em uma negociação colaborativa e prospectiva, mesmo que não se encontre o
melhor universo possível para as partes, pode-se encontrar um acordo sábio e
ainda melhor do que outra alternativa que se tenha fora da mesa, mantendo-se
assim as boas relações e prospectando novas oportunidades e possibilidades.
A
Mediação sendo entendida como um processo de fluxo de informações e de
conhecimento a respeito específico de um determinado assunto, para ser tomada
uma decisão, faz com que o conhecimento de um, somado ao conhecimento de outro,
multiplique a quantidade e a qualidade de informações expostas, aumentando-se,
assim, as possibilidades de alternativas para se compor o melhor resultado para
todos.
Não há
limitações para conhecimento e informações. Esta preciosidade, não é um bem
finito, que se esgote por si só. Muito pelo contrário, quanto mais deste
quesito fluir em uma Mediação, melhor será a fase de negociação a ser
enfrentada pelos envolvidos, pois todos irão se beneficiar dos conhecimentos
expostos e das informações trocadas.
E, o
conhecimento se expande quando trocado. É tal como fosse uma Lei da Física do Entendimento
Humano. Quanto mais cooperação existir na troca de conhecimentos e informações,
mais abundante será o conhecimento.
Cada
vez mais vemos que no cenário atual dos negócios, a habilidade de um negócio
competir, depende, de forma bem paradoxal, da habilidade de seus gestores em
cooperar e compartilhar.
Aprimorar o relacionamento entre os envolvidos para existir confiança no processo e nas partes é a chave para que todos estejam dispostos a utilizar técnicas de negociação cooperativa, trocar informações com maior abertura e entender as perspectivas e interesses do Outro com empatia.
As negociações de hoje, devem ser aprendizados, onde as melhores soluções surgem do verdadeiro entendimento do que se deseja, da exposição franca dos problemas, do processo de aprendizado conjunto entre aqueles que partilham as informações e abrem-se para os reais interesses, preocupações e buscam, por fim, gerar muitas opções criativas que beneficiem a todos. Com certeza o resultado final será algo além daquilo que quem estava na mesa de negociação imaginou. E isto faz da Mediação, a qual esta negociação está inserida como uma das etapas, o tão poderoso processo de fluxo de informações com a final tomada de decisões voluntárias.
Então,
este é um convite para que todos nós estejamos atentos ao Outro, para que
prestemos atenção em nossas inúmeras negociações diárias, acolhendo aquilo que
nos é entregue, com Respeito e Inclusão. E quanto mais praticarmos e mais
prestarmos atenção ao processo e aos ensinamentos trazidos pelo próprio
processo, refletindo e aprimorando as técnicas, melhores negociadores seremos.
Bom
divertimento em suas próximas negociações. Porque a partir de agora você as
verá de outra maneira.
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