quarta-feira, 29 de abril de 2020

"E agora, José?" Carlos Drummond de Andrade

UMA REFLEXÃO PARA ESTE MOMENTO DE DIFICULDADES.
E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? e agora, você? você que é sem nome, que zomba dos outros, você que faz versos, que ama, protesta? e agora, José? Está sem mulher, está sem discurso, está sem carinho, já não pode beber, já não pode fumar, cuspir já não pode, a noite esfriou, o dia não veio, o bonde não veio, o riso não veio, não veio a utopia e tudo acabou e tudo fugiu e tudo mofou, e agora, José?





E agora, José? Sua doce palavra, seu instante de febre, sua gula e jejum, sua biblioteca, sua lavra de ouro, seu terno de vidro, sua incoerência, seu ódio — e agora?
Com a chave na mão quer abrir a porta, não existe porta; 
quer morrer no mar, mas o mar secou; 
quer ir para Minas, Minas não há mais. 
José, e agora? 
Se você gritasse, 
se você gemesse, 
se você tocasse a valsa vienense, 
se você dormisse, 
se você cansasse, se você morresse... 
Mas você não morre, você é duro, José!


Sozinho no escuro qual bicho-do-mato, 
sem teogonia, 
sem parede nua para se encostar, 
sem cavalo preto que fuja a galope, 
você marcha, 
José! José, para onde?

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