sexta-feira, 19 de março de 2010

SHOW DE ORGANIZAÇÃO

Adm. Fernando Viana - Consultor Empresarial

Recentemente, durante uma reunião sobre EFICIÊNCIA E EFICÁCIA das organizações, o coordenador solicitou aos participantes exemplos de organizações eficientes e eficazes. Surgiram vários nomes e justificativas interessantes.
O assunto girou no grupo e, ao chegar a minha vez, citei o exemplo das “Escolas de Samba” do Rio de Janeiro.
Naquele momento alguns acharam engraçado e outros descartaram minha sugestão.
O coordenador solicitou que eu justificasse a minha sugestão. Disse que durante vários anos assisti ao desfile pela televisão, ficando impressionado a ponto de ir assistir o desfile na Marquês de Sapucaí. Fiz isto durante quatro anos consecutivos, pois a idéia de que as Escolas de Samba são verdadeiros exemplos de organizações eficazes não saía da minha cabeça.
O meu entusiasmo pelo assunto me levou a desfilar pela Mocidade Independente de Padre Miguel, de 1990 a 2000, quando pude sentir a inexplicável emoção de desfilar, ser parte integrante da Escola campeã (1990, 1991 e 1996), mas, principalmente, obter os subsídios para compreensão do fenômeno que arrasta milhares de pessoas com toda a energia e entusiasmo em direção a um único objetivo – individual e coletivo – que, naqueles momentos pareciam estar fundidos, indiferenciados, num gigantesco espírito de equipe que envolve a todos, numa onda de cooperação, identificação e motivação humana.
Sempre ouvimos dizer que o carnaval é coisa do demônio. Se for verdade, podemos fazer a ilação que os demônios são extremamente competentes. Quanta heresia, dirão os religiosos.
Pude comprovar que as pessoas economizam o ano inteiro, privando-se de muitas coisas para comprarem suas fantasias. Muitos têm que batalhar para conseguir uma vaga para o desfile, o que não é muito fácil, como alardeia a imprensa. Viajam de longe para participarem. Vestem suas fantasias em casa e vão a pé, tomam ônibus, metrô, têm que chegar com três a quatro horas de antecedência na concentração (que é outro exemplo de motivação e integração), ficam no tempo, seja dia ou noite, com sol ou chuva. Não têm sequer lugar adequado para fazer xixi. Os sapatos, sapatilhas ou botas incomodam os pés, o peso da fantasia a cada minuto aumenta mias e começa a incomodar os ombros, a cabeça e o pescoço. Além disso, as pessoas não se conhecem e não há nenhuma cerimônia de recepção e integração do pessoal.
São, em média, quatro mil pessoas de todos os níveis seja cultural, econômico ou social que se encontram e em curto espaço de tempo se organizam e apresentam um resultado que é considerado internacionalmente como o maior espetáculo da terra. Como se explica isto? Que fenômeno é este?
Aquelas organizações não pagam salários, não têm planos de assistência à saúde, não têm política de recursos humanos, não têm programas importados de qualidade total e nem prêmios de produtividade.
Nas organizações industriais, comerciais e de serviços, estes sistemas são comuns.
Em contrapartida, a exemplo das organizações formais, as Escolas de Samba também têm hierarquia. Nelas encontra-se presidente, diretores, coordenadores, etc.
Têm cargos-chave como interpretes de samba – que os incautos denominam de puxadores de samba -,mestre-sala, porta-bandeira, destaques, mestre de bateria, Chefe do Barracão (onde são confeccionados os carros alegóricos), etc. Têm também equipamentos (móveis e fixos), mecânicos, elétricos e eletrônicos – com significativo avanço tecnológico.

Chega a hora do desfile. Surgem os imprevistos, os problemas. É um carro que quebra, alguém que se sente mal ou um defeito no som. As decisões precisam ser rápidas e certeiras. A ansiedade e a pressão aumentam, a agitação é geral. O coração e os nervos ficam pulsando.
A Riotur anuncia que determinada escola vai iniciar o desfile. A adrenalina é total. O interprete solta o grito de guerra e começa a cantar, tendo somente um cavaquinho tocando. Em seguida a bateria explode com força total e a escola entra na avenida. A partir deste momento cada um sabe que o sucesso ou o fracasso da sua organização depende diretamente dele.
Ele será visto por milhares de pessoas ao vivo e outros milhões através da televisão. Ele sabe que será observado, avaliado e, sabe, também, que o feedback será imediato pela expressão e comportamento da platéia e que a comissão de jurados será rigorosa na sua avaliação.
Com os pés sangrando ou não, com os ombros feridos ou não, estando ou não cansado, com sono, fome ou sede, ele continua sua tarefa e arranca do fundo do peito toda a energia de que dispõe e a coloca a serviço da garganta, dos pés e sobretudo, da meta a ser atingida e da sua realização pessoal. Com um sorriso nos lábios ele continua a sua tarefa com a certeza de que, mesmo estando entre quatro mil pessoas com o mesmo objetivo, ele é, naquele instante, realmente, o número um da sua organização.
Ele se sente importante, extremamente útil, comprometido dom o resultado, respeitado na sua função, com espaço para exercer em toda a plenitude, a sua criatividade. Ele vivencia a liberdade e experimenta de corpo e alma a felicidade. O que ele mais deseja é fazer mais e melhor. Diante de tão sublime grandeza ele não está preocupado em perder o seu espaço para o colega e nem em tomar o espaço de outro. Ele não deseja que a ala da frente ou a de trás fracassem. Ele não faz corpo mole para atrapalhar a sua própria ala.
Ao contrário, ele é o estimulo em pessoa. Ele contagia e é contagiado numa dinâmica excitante, numa relação de causa e efeito que faz de tudo aquilo o grande fator de sucesso da organização “Escola de Samba”. Não se têm notícias de que os diretores de harmonia ou de evolução tenham ido ao Japão, Canadá, Estados Unidos ou Alemanha, buscar “aquelas técnicas” para conseguirem resultados com as pessoas. Se analisarmos, com mais interesse, a situação social do Brasil, podemos considerar que eles conseguem, como em um toque de mágica, transformar “Sapos em Príncipes”.
Talvez seja o caso de dedicarmos menos tempo na análise do comportamento dos japoneses e de como ele obtêm sucesso, e pensarmos mais em nós mesmos, brasileiro, que, apesar de todas as dificuldades e carências, ainda conseguimos mostrar o nosso potencial e, às vezes, brilhar, quando nos sentimos estimulados.
Nesta reflexão parece não restar dúvidas de que as organizações formais têm muito o que aprender com a Mocidade, Portela, Mangueira, Salgueiro,etc.
Aproveito a oportunidade para deixar registrado o meu eterno agradecimento à Mocidade Independente de Padre Miguel, pela oportunidade de vivenciar momentos mágicos e inesquecíveis, e, principalmente, poder aprender um pouco mais sobre administração de organização modelo.
Fica assim colocada uma questão para nós, profissionais da administração, refletirmos um pouco mais. Se você puder assista – ao vivo ou pela televisão - o desfile do próximo ano, quando, mais uma vez, brilhará no céu a Estrela Guia de Padre Miguel, e faça sua própria análise.

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