Em 1997, publiquei este artigo na revista trimestral do Partido dos Trabalhadores Teoria e Debate, onde critiquei a política dominante da esquerda, a política de substituição das importações, por uma política voltada a produtos populares. Vale a pena ler.
No Brasil, toda a produção está voltada para a classe média.
A saída para o crescimento é reorientar a economia para a produção de produtos populares, o que pressupõe primeiro o aumento da renda para depois chegar ao crescimento.
A política de substituição de importações, implantada por vários governos brasileiros no passado de visão Cepal/Unicamp, gerou uma industrialização voltada para produzir bens para os 10% mais ricos da população.
Há 50 anos, quem importava maciçamente era a justamente a parcela mais rica da população.
No início, com a criação de elevadas tarifas, as grandes empresas multinacionais do setor automobilístico vieram produzir no Brasil o que antes era importado.
Criaram obviamente um padrão de produção não voltado ao vasto mercado interno popular, mas simplesmente trouxeram as máquinas e os modelos dos produtos anteriormente exportados para o Brasil.
A industrialização gerada pela política de substituição de exportações gerou um padrão voltado aos 10% mais ricos, algo não percebido pelos economistas que idealizaram esta politica.
Pior, a má-distribuição da renda foi uma consequência desta política.
Criou-se sim uma cunha fiscal de quase 100% sobre o trabalho assalariado, com inúmeros encargos sociais, PIS, Pasep, que inviabilizava a compra pelo trabalhador do produto que ele próprio fabricava.
A cunha fiscal sobre o trabalho assalariado exigia uma classe mais rica, única capaz de comprar os produtos produzidos por classes de renda mais baixas.
Ao contrário dos funcionários da Ford Motor Co. na década de 30 nos Estados Unidos, o trabalhador automobilístico não tinha renda para comprar o produto do seu trabalho, tal a carga de impostos que o Estado acrescentava ao preço brasileiro.
Este modelo esgotou-se por várias razões:
1. Com a abertura das importações e a globalização da economia brasileira, os ricos irão de novo importar os seus carros, home theaters etc.
2. Tentar enfrentar o problema produzindo produtos ainda mais sofisticados, com ainda mais qualidade e tecnologia do que os concorrentes do Primeiro Mundo, como propõem muitos, será uma luta inglória.
3. Os países do Primeiro Mundo sempre terão mais escala e menores preços simplesmente porque suas populações ricas são muito mais numerosas.
A saída portanto será reorientar a produção brasileira para os 20,30,40, 50% seguintes na escala econômica.
As vantagens são enormes.
Quando o rico fica mais rico, a renda disponível cresce somente uma fração do aumento da renda.
Quando o pobre fica mais rico, a propensão marginal a consumir é enorme.
Por exemplo, um aumento de 1% de crescimento no PIB aumenta em 3% o consumo de ovos.
No ano 2000, 2/3 da população mundial serão relativamente pobres e se pudermos criar e vender produtos adequados para a classe de baixa renda brasileira, aí sim teremos condições de exportar competitivamente para o mundo.
E os nossos grandes mercados serão a China e a índia, e não a Alemanha, o Japão e os Estados Unidos.
O grande bloco comercial no ano de 2020 não será o Mercosul nem o Nafta e sim a Bríndia, o intercâmbio poderoso entre o Brasil e a Índia, e/ou o Brinchina, Brasil, Índia e China.
Em média, nossas empresas estão mal preparadas para o segmento de produtos populares.
Parte da crise do real reside aí.
Todo mundo está produzindo para a classe média, que está vendo sua renda diminuidapara um patamar mais correto.
No caso das patentes em medicina, a Roche, por exemplo, em vez de lutar pelo reconhecimento das patentes, está introduzindo remédios cujas patentes já se tornaram domínio público e são baratas porque não pagam royalties. (Os génericos que seria criado em por lei em 1999.)
Pretende competir pela sua qualidade e eficiência na fabricação de remédios, que é o que vale a longo prazo.
O conceito de produtos populares requer não somente uma redefinição do produto, da qualidade, dos métodos de produção, como da embalagem, da propaganda e dos canais de distribuição.
Poucos shopping-centers no Brasil foram construídos em cima de metrôs.
Poucos metrôs possuem áreas de vendas, que poderiam ter sido alugadas a comerciantes, reduzindo o déficit deste meio de transporte.
É incrível que os vários governadores e prefeitos socialistas como a da Erundina não tenham criado pontos de vendas nas áreas de metrô como se faz na França e nos Estados Unidos.
Pobre possui menos tempo que rico para fazer compras.
No Brasil, ter um carro é condição sine qua non para se comprar na maioria dos shoppings, uma distorção do modelo industrial.
O chamado carro popular, introduzido no governo Itamar, de popular não teve absolutamente nada; ao preço de 12 mil reais continua sendo um produto para os 10% mais ricos da população.
O carro popular no Brasil deveria ser uma bicicleta com motor, vendida em torno de 250 reais.
Aliás, foi assim que a Honda virou importante no Japão, começando com motocicletas e somente então partindo para os carros.
Neste novo modelo, uma nova ação do governo se faz necessária.
No caso das bicicletas, surgem imediatamente os problemas de trânsito e da falta de ciclovias.
No caso dos metrôs, a falta de planejamento urbano e legislativo que permita construir um shopping em cima de uma estação.
A abertura do comércio aos domingos é condição sine qua non para baratear seus custos fixos.
Ao contrário, o governo Fernando Henrique Cardoso, em um de seus primeiros atos, isentou de todo e qualquer imposto aduaneiro os produtos abaixo de US$ 50, inviabilizando justamente os produtos populares produzidos internamente. Pior, demoraram dois anos para revogar esta medida.
Enquanto no modelo industrial anterior crescia-se primeiro para distribuir a renda depois, a nova estratégia de produtos populares requer primeiro o aumento da renda para depois chegar ao crescimento, o que Henry Ford fez ao dobrar os salários dos seus operários.
No caso brasileiro, a simples eliminação do FGTS e a sua distribuição imediata ao trabalhador, aumentaria a renda sem onerar os custos da empresa.
E se o país crescer, os riscos de desemprego serão menores.
A opção por produtos populares não é nova. As empresas que deram certo nestes últimos dez anos, optaram justamente por este caminho. Grendene, Garoto, Hermes, Lojas Americanas, Brahma para citar alguns exemplos.
A dedicação total de todo trabalhador é um dos fatores vitais para a qualidade da produção, o ISO 9000, a concorrência e o consumidor.
O que não é óbvio, para a maioria dos formuladores de política econômica, é que o mundo moderno de hoje é dominado por teorias administrativas e não por teorias econômicas de economistas já defuntos, como gostava de afirmar Keynes.
As teorias de gerenciamento moderno nos mostram que o trabalhador jamais terá a dedicação e esmero necessários para uma qualidade total se hão tiver condição de comprar o produto que ele fabrica.
A política econômica defendida por Dorothea Werneck, de qualidade e produção para o Primeiro Mundo, jamais daria certo por este simples aspecto.
As empresas que seguem as últimas coqueluches gerenciais do momento, no Primeiro Mundo, acabam embarcando em niche-marketing, ciclo de produtos curtos e database-marketing, técnicas ideais para os problemas gerenciais americanos e europeus. A realidade brasileira porém é outra.
Não é a renda que precisa ser distribuída, e sim a produção.
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