Entra ano e sai ano, e o discurso em torno do Dia das Mulheres é praticamente o mesmo: elas sofrem com a Síndrome da Impostora, cabe a elas fazer algo a respeito e "resolver" os seus pontos fracos.
Na minha área de atuação, inclusive, as organizações estão
sempre solicitando a implementação de Programas de Desenvolvimento para
acelerar as mulheres sobre este "fazer algo a respeito" - que em
teoria está todo mundo esperando delas.
Pouca gente
questiona, no entanto, de onde é que vem a tal Síndrome da Impostora.
- Ela nasce naturalmente dentro do cérebro feminino?
- As mulheres têm células, genes ou outras caraterísticas biológicas que as tornam hospedeiras automáticas da Síndrome?
- Elas estão, então, fadadas a viverem com este mal?
Não. Não. E não.
Para entender melhor este fenômeno, entretanto,
temos que dar alguns passos atrás e falar de um negócio chamado Vieses
Inconscientes.
Vieses Inconscientes
Vieses
Inconscientes são crenças e práticas que aprendemos, reproduzimos e ensinamos a
vida toda - perpetuando e garantindo que "a ordem natural das coisas"
permaneça exatamente como está.
Um cenário padrão que ilustra bem isso é o fato de
crescermos aprendendo que a mulher, por ser mulher, é melhor cuidadora. É
melhor mãe. Tem o "instinto natural do cuidado".
Sem a gente perceber, esta crença influencia a
nossa tomada de decisão na hora de entrevistar uma mulher, descobrir se ela tem
filhos, e usar essa informação para prontamente excluí-la e discriminá-la.
Sem a gente perceber, preferimos promover um homem porque automaticamente acreditamos que ele poderá se dedicar mais do que uma mulher - já que a ele cabe sempre a menor ou nenhuma parte do cuidado da família e da manutenção do lar.
A gente - eu, você, nossos familiares, amigas e
amigos - vai reproduzindo isso de uma forma tão mecânica que, ao passar uma
vida inteira sem ter uma chefe mulher, por exemplo, nada faz falta ou parece
inaceitável.
E o que isso tem a ver com a
Síndrome da Impostora?
Essas crenças e práticas são tão poderosas que
influenciam como nos comportamos nos mínimos e micro detalhes. Elas se
infiltram no imperceptível das relações.
E definem, assim, a nossa forma de ver e tratar as
mulheres.
Sem a gente
perceber, excluímos elas de espaços e oportunidades. Desqualificamos seus
trabalhos. Interrompemos suas falas. Falamos por elas. Desacreditamos de suas
proposições. Invalidamos seus argumentos. Roubamos suas ideias. Questionamos
suas competências. Reduzimos suas entregas. Desencorajamos seus potenciais. As
alvejamos com violência, desrespeito e constrangimento sob o manto ordinário da
brincadeirinha.
Há até estudos que mostram que os feedbacks
direcionados aos homens são potencializadores. Enquanto que os
direcionados às mulheres sobrecarregam e encolhem.
Mesmo que a gente não queira, e mesmo que pensemos
que homens e mulheres são iguais, na prática nós destinamos um tratamento
específico para ele e um tratamento específico para ela.
Isso
significa dizer que as mulheres passam a vida inteira trabalhando, entregando,
construindo, fazendo... e lutando diariamente contra todo esse fardo que é
jogado, de todo os lados, sobre os ombros delas.
Por mais fortes que elas sejam, empoderadas, ousadas... não há cérebro que não passe a se questionar, a se ver como insuficiente, incompetente diante de tanto e contínuo desestímulo.
Mas, Arlane, eu não sou mulher e
também me sinto assim!
Todas as pessoas estão sujeitas a vivenciarem os
efeitos da Síndrome da Impostora. Todavia, há determinados fenômenos
sociais negativos que impactam com mais frequência, mais intensidade e mais
especificidade as mulheres - por serem mulheres. E eles
contribuem para que a Síndrome opere então com mais força na vida e na carreira
delas.
E é a partir deste ponto que eu trago a reflexão
sobre os pontos fortes.
Mesmo que
parte relevante do meu trabalho como Consultora seja o de promover o
desenvolvimento de habilidades políticas e relacionais nas mulheres, é também
uma abordagem de vital importância ressaltar os seus pontos fortes.
Mulher, quanto tempo e energia
você gasta tentando dar conta dos seus "pontos de atenção"? Ou
"pontos de oportunidade"?
Com certeza você precisa sim dedicar uma parte de
você para evoluir naquilo que ainda não domina. Mas, hoje, esse discurso que
centra todo o seu esforço apenas nisso não te potencializa como deveria.
- Você já parou para pensar e mapear os seus pontos fortes?
- Pelo que você é reconhecida?
- O que você faz e entrega bem?
- O que você gosta de fazer?
- O que você já ensina?
- O que você faz com grande dose de conforto?
Já pensou em usar tudo isso para fortalecer a sua
carreira? Já pensou em destacar tudo isso no seu Plano de Carreira?
O tempo todo organizações, lideranças e pares em
geral ficam reforçando "a falha que a mulher precisa arrumar". É
comum que seja condição para que ela ascenda a resolução de todas as suas
questões e a mágica superação da Síndrome da Impostora.
Por isso, e apesar desta sociedade ainda tão
resignada a dar o lugar de subserviência para ela, dizemos:
MULHER, USE E ABUSE DOS SEUS
PONTOS FORTES!
Se você é boa em planejar, avance e eleve isso. Se
é boa em articular, em se comunicar, em negociar, em precificar, em estruturar,
em apresentar, em escrever, em programar, em delegar, em operacionalizar, em
vender, em criar... avance e eleve isso.
Faça uma
das prioridades centrais da sua vida o investimento na
potencialização daquilo que você já é.
Não subestime o potencial que você já exerce e o poder que ele tem em te destacar no meio da multidão. Use e abuse dos seus pontos fortes e faça deles a âncora para alavancar a sua visão de crescimento. Coloque-os em prática e faça sem medo propaganda disso.
O ponto chave
O ponto
chave é colocar por terra esta narrativa que nos coloca como
simplesmente defeituosas, como responsáveis pela desigualdade na qual estamos
inseridas, como não esforçadas, como "ainda não competentes o suficiente,
mas trabalhando nos nossos pontos fracos".
A Síndrome da Impostora e tantos outros fenômenos
que nos afetam não brotam da nossa natureza - mas sim do meio no qual vivemos.
Acima de tudo, é a sociedade que
precisa (urgentemente) mudar e rever os seus Vieses Inconscientes. Enquanto isso, foquemos no que
fazemos de bom, questionando e fraturando essa estrutura, e construindo um
futuro que seja verdadeiramente nosso.
Nós somos. Nós queremos. E,
definitivamente, nós podemos.
Copiado: https://www.linkedin.com/in/arlanegoncalves/
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