Vamos pensar um pouco mais profundamente sobre a crise política, econômica e social que estamos vivendo. Vamos pensar no custo da corrupção que está em cerca de 70 bilhões ao ano (Ajufe/OAB); nos 11,8 milhões de desempregados em nosso país (IBGE); nos mais de 57 mil assassinatos registrados no ano de 2014 em todo o Brasil (G1). Esses são, apenas, três exemplos dos impactos da recessão que nos acomete, mas há outros tantos que poderiam se somar e aumentar a “conta” cobrada por tamanhas ilicitudes, negligências e irresponsabilidades governamentais ao longo das últimas décadas.
Entretanto, parte da responsabilidade por esta situação que atinge o nosso país também é nossa, pois fomos nós que escolhemos nossos representantes. E não há desculpa para se omitir dessa responsabilidade: embora saibamos das “falhas naturais do sistema”, temos o dever de lutar pelo adequado destino e aplicação de nossos impostos, por processos e estruturas mais eficientes e econômicos, e por mais ética e transparência dos gastos e zelo pela coisa pública. Nosso dever não se encerra nas urnas: ele deve ser exercido no cotidiano de nossa sociedade, através de constante fiscalização e cobrança dos nossos representantes.
Mas a preocupação sobre a correta aplicação de recursos não se limita ao âmbito público. Na verdade, ela avança, inclusive, para a esfera privada. Ao contrário do que a maioria pode pensar, não são, apenas, as organizações públicas as responsáveis pela sociedade: as organizações privadas quando atingem certo porte (tamanho) e grau de importância podem se transformar em interesse público legítimo. Nesses casos, grandes organizações privadas precisam ser gerenciadas com a maior competência e responsabilidade possíveis, pois o seu fracasso gerencial pode impactar profundamente toda uma região. E quantas comunidades foram “arrasadas” pela falência de empresas locais? E quantas empresas que faliram eram de interesse público?
Estas são questões importantes. Veja como a “coisa” não se limita ao âmbito público ou privado: ela pode, inclusive, avançar para um misto entre os dois, ou seja, organizações público-privadas. Consideremos outro exemplo: um fundo previdenciário público que era gerenciado por uma equipe de gestores privados. Esse fundo perdeu 95% de seus recursos após um ato irresponsável de seus gestores que alocaram um percentual elevado de capital do fundo em renda variável. Resumindo, ao agirem contra a lei que regula os fundos previdenciários, fizeram com que o fundo fosse a falência. Houve casos de beneficiários aposentados que se suicidaram após receberem tal notícia. Uma das evidências é que os gestores desse fundo não eram Administradores.
Esse é um clássico exemplo do impacto causado por uma gestão falha. E o “caldo entorna” um pouco mais quando verificamos diversos outros profissionais – muitos sem as devidas competências e habilidades para o cargo – assumindo posições-chave em Órgãos públicos e Organizações privadas de elevado interesse público. Nesses casos, parece que a “gestão profissional” fica em segundo plano. E o resultado de promoções e indicações de caráter puramente pessoal e político, revelam todas as mazelas que emergem em fracassos, escândalos e desempenhos abaixo do razoável.
Porém, essa distorção conceitual sobre o ato de gerenciar não é privilégio de nossos governantes ou de nossos chefes: ela é um paradigma social. Mas porque o cidadão comum acredita que Administrar seja uma função que pode ser exercida por qualquer um? A resposta, talvez esteja no entendimento errôneo que compara a administração de uma casa ou da vida pessoal com a administração de uma Organização (empresa pública, privada, mista, com ou sem fim lucrativo, etc). A primeira, puramente de caráter empírico , pois não há a exigência de qualquer espécie de qualificação prévia (com a exceção de conhecimentos universais básicos). A segunda, exige competências e habilidades muito mais complexas, com alto nível de profundidade, dinamismo e visão abrangente ao lidar com diversos modelos e técnicas que envolvem a Ciência Administrativa.
É oportuno lembrar a frase de uma candidata à prefeitura de uma grande capital. Ela não era Administradora. E graças a Deus, não se elegeu. Dizia ela: “administrar, não é bicho de sete cabeças”. Não que para se candidatar seja exigível ser Administrador, longe disso. Mas quando se assume competências que são legítimas de outro profissional, a coisa muda de figura. Ainda mais quando sabemos que a maioria dos fracassos e escândalos desses últimos tempos partem de “gestões” amadoras. São advogados, economistas, psicólogos, contadores, engenheiros, médicos, sociólogos, etc, diversos profissionais que ocupam cargos de caráter puramente administrativo e que não possuem as devidas competências e habilidadespara exercerem tais funções. E são essas as “causas” dos “efeitos” que estamos vivenciando, sabemos.
E embora saibamos disso tudo, ainda, pouco fazemos como sociedade organizada para exigir responsabilidade por desempenho. E é muito difícil “exigir” bom desempenho de quem é isento de competências mínimas exigíveis. Como também é um absurdo identificar organizações familiares que atingem certo “porte” e acabam “derrapando na curva” porque não conseguem perceber a necessidade de profissionalizar sua gestão. São fundadores e sucessores com grande mentalidade empreendedora, mas limitados em conhecimentos técnicos e práticos avançados em Administração, atributos esses que passam a ser exigíveis para acompanhar o crescimento saudável dessas empresas, sua sobrevivência e sua capacidade competitiva.
Nestas últimas semanas, um ferrenho debate sobre o PL 439/2015 tem gerado discussões acaloradas. Trata-se de um Projeto de Lei que dispõe sobre o exercício de atividades no campo da Administração e tem gerado muitos paradigmas que demonstram o alto nível de desconhecimento sobre a legitimidade e a essencialidade do Administrador como profissional. Numa destas discussões, houve quem dissesse que tal Projeto de Lei seria “bom ou interessante” para o setor público, porém não para o setor privado. O motivo, supostamente, seria que o setor privado visa o lucro e tal Projeto de Lei “estrangularia” a capacidade competitiva dessas empresas, uma vez que limitaria o acesso de pessoas com mentalidade empreendedora para tocar esses negócios de forma mais adequada.
Agora, duas perguntas: a aprovação do PL439/2015 “acabaria” com a capacidade empreendedora dessas empresas? Seria o PL 439/2015 fundamental, apenas, para o setor público? As respostas são, respectivamente, não e não! O que se percebe é uma grande confusão sobre o que é Administrar: muitos acham que administrar é sinônimo de empreender; ou que administrar é função básica que não exige competências formais, ou seja, que pode ser exercida por qualquer um; ou, ainda, que administrar deva ser exclusividade de setor público, pois ela é sinônimo de burocracia. Todos esses paradigmas não são novos e revelam o alto grau de desconhecimento sobre o que vem a ser a Ciência Administrativa e sobre a importância do Administrador enquanto profissional. E tal distorção acaba atingindo, inclusive, profissionais de Classe.
É nesse sentido que venho reforçando um diálogo sadio através de minhas publicações sobre o tema. O objetivo maior é sempre construir e reforçar uma discussão profunda com relação à gestão. E isso é fundamental para a sociedade evoluir, chega de retrocessos. Precisamos legitimar nossa profissão e garantir responsabilidade e responsabilização por desempenho.
Texto ótimo!
ResponderExcluir👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏
Precisamos melhorar a produtividade e a empregabilidade em todo o Brasil, nisso os Administradores tem um grande papel a cumprir.
ResponderExcluirObrigado, amigo! Seu feedback é muito importante! Abraço,
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