quinta-feira, 29 de março de 2012

Assédio moral: saiba como comprovar que é vítima desse abuso

Vítima deve guardar todos os registros que comprovem o assédio – tais como e-mails, mensagens de celular e até gravações telefônicas e ao vivo (sob certas restrições); empresa deve dispor de canais de denúncia anônima para que o abuso seja relatado sem o risco de comprometimento da carreira.

Quem trabalha em órgãos públicos sabe o que representa uma troca de governos. Todos os cargos em comissão, concedidos a pessoas por indicação política, mudam – na prática é uma roleta-russa para os funcionários efetivos, que podem ganhar bons chefes, mas também podem ter a carreira destruída pelos superiores. Foi o que aconteceu com a servidora pública Maria*: após 20 anos trabalhando no departamento jurídico de um órgão estadual, ela passou a ser vítima de assédio moral, teve a saúde física e emocional abalada e foi obrigada a mudar de departamento antes que a situação se agravasse. Na ausência de meios para comprovar e combater os abusos, e com a suposta conivência dos demais superiores, essa foi a única saída viável.
"Primeiro ele já chegou ao setor dizendo que tomaria conta do departamento e que todas as decisões partiriam dele. A primeira vez que dei uma informação necessária ao andamento do processo, fui duramente repreendida. Na prática eu não podia mais fazer o trabalho que fiz durante todo esse tempo, minha função a partir de então foi atender telefonemas", relata.
Características - O assédio moral gera uma cadeia de eventos que tende a se justificar e ser tida como normal, ou seja: ele gera medo e, por fim, gera conivência por parte das próprias vítimas que, aos poucos, vai sendo esmagada emocionalmente. "O assédio moral é uma forma de violência psicológica reiterada: um veneno que sutilmente intoxica a vítima, até fazê-la pedir demissão por se achar absolutamente incompetente para continuar o desenvolvimento do seu trabalho", explica a advogada trabalhista Tamira Maira Fioravante. Eis a principal característica do abuso: humilhação (sob várias formas, sutis ou não) praticada repetidamente contra o funcionário. A partir desse limite, o que seria apenas uma exigência ríspida ou uma brincadeira, vira um crime que pode ser punido com até dois anos de prisão e multa (conforme o artigo 136-A do novo Código Penal Brasileiro).
É necessário compreender que muitas vezes essa conduta pode se dar de maneira pouco perceptível para outras pessoas além da própria vítima. Sônia Mascaro, doutora em Direito do Trabalho, destaca como formas de assédio moral "estipular metas e prazos impossíveis de serem cumpridos pelo empregado, tomar crédito de idéias de outros, ignorar ou excluir um empregado, sonegar informações e trabalho do empregado, espalhar rumores e fofocas, ridicularizar o empregado, criticar com persistência e subestimar os esforços da pessoa".

VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
O assédio moral gera uma cadeia de eventos que tende a se justificar e ser tida como normal, ou seja: ele gera medo e, por fim, gera conivência por parte das próprias vítimas que, aos poucos, vai sendo esmagada emocionalmente.

Para Mascaro, no âmbito da empresa, o ideal seria que o trabalhador que sofreu assédio reportasse de maneira sigilosa o ocorrido para o RH ou os superiores do assediador, "evitando um tom denuncista, mas apenas relatando as condutas que fazem com que ele se sinta ofendido ou rebaixado, aguardando que a empresa tome as devidas providências para que isso seja solucionado". Lembrando que existem casos, ainda que raros, em que o assédio parte do subordinado contra o superior.
Justiça neles - Mas como enquadrar o agressor sem saber sequer como provar a sua conduta, se muitas vezes a reação da vítima não é outra senão silenciar? "É importante saber que a Justiça é a última instância a ser procurada. Nesses casos, o colaborador deve acionar o departamento de Recursos Humanos da empresa", afirma o consultor e sócio da Alliance Coaching, Sílvio Celestino. Por outro lado, Fioravante lembra que a empresa deve dispor de canais de comunicação onde o colaborador possa denunciar os abusos de forma anônima, para que a investigação proceda de forma sigilosa. "Um trabalhador jamais deve ter a sua carreira prejudicada por tentar proteger a sua saúde emocional e psicológica", explica a advogada.
Segundo Mascaro, "a prova do assédio moral é normalmente testemunhal, mas pode também ser feita por meio da apresentação de documentos – como e-mails – ou gravações que comprovem o comportamento do assediador". Já Celestino admite que não é tão fácil obter provas irrefutáveis dos maus tratos, mas é possível. "Você sempre pode gravar uma conversa da qual você faz parte, não é ilegal", lembra. Apesar de existir uma jurisprudência que considera a gravação – por celular ou ao vivo – como prova legítima, alguns tribunais podem contestar essa versão. E mesmo quando for feita, a gravação deve ser executada por um dos interlocutores, caso contrário constitui crime e não será aceita como prova. Em outras palavras, é bom consultar um advogado antes de fazer uma escuta. Já Ricardo Pereira, mestre em Direito do Trabalho, dá outra alternativa para quem não pretende se arriscar muito para conseguir provas. Para ele, "o auxílio de um psicólogo especializado em problemas relacionados ao trabalho auxilia tanto na comprovação do assédio como na superação do problema".
O assédio moral é um problema sério que atinge insidiosamente a vítima, produzindo tanto danos psicológicos quanto patologias físicas, como tremores, náuseas e enxaquecas. Por outro lado, a empresa é prejudicada à medida em que a qualidade e a produtividade do colaborador despencam e ações judiciais se multiplicam. "As empresas devem fazer um trabalho preventivo de gestão para que não ocorra a proliferação de casos de assédio e provoque, consequentemente, um grande passivo trabalhista no Poder Judiciário", conclui Pereira.
A servidora Maria*, citada no começo da matéria, conseguiu se afastar das suas funções e do departamento onde trabalhava e se encaixar em um novo. Mas não é a mesma coisa: "o trabalho que eu realmente sabia fazer era aquele. Acho que ele conseguiu o que queria, o meu afastamento", lamenta.   *Nome trocado por solicitação da fonte 
Por Eber Freitas, www.administradores.com.br

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