O Enem já se mostrou exitoso; o que está hoje em discussão, portanto, é o comportamento que fere a ética de profissionais que se intitulam educadores. Pensar o significado da educação implica ir além de uma observação simplista, fragmentada, que se ocupa, apenas, em analisar partes do processo educacional.
É necessário reeducar o modo de olhar e perceber os princípios e os valores que estão subjacentes às práticas em exercício nas instituições de ensino. Refiro-me, especialmente, à questão da ética. Paulo Freire, em suas obras "Pedagogia da Autonomia" e "Pedagogia da Indignação", de modo incisivo, aborda essa temática denominada por ele de ética universal. Freire aponta que os educadores devem exercitar uma "ética inseparável da prática educativa". Esse exercício deve se concretizar no cotidiano, na prática diária. Ainda, segundo o autor, é preciso que o educador possa "testemunhá-la (a ética), vivaz, aos educandos". Fortalecida por suas palavras, indago-me: o que estará pautando o ato de ensinar e aprender em nossas escolas? O fato isolado da apropriação indevida de questões sigilosas de um exame nacional me faz, enquanto educadora, refletir sobre a atualidade dos pensamentos de Paulo Freire em relação a essa atitude. Onde estão os princípios da solidariedade? O fortalecimento do espírito público? Será que a ética do mercado, já denunciada por Freire, que se atrela a interesses pessoais de uma pequena parcela da sociedade brasileira, está se sobrepondo à dignidade que deve pautar a ética universal defendida por ele? Tão importante quanto avaliar todo o processo de elaboração ou aplicação de um exame ou algo similar é rever as atitudes, as formas de agir de educadores. Isso também deve ser pautado pela sociedade. Que cidadãos estamos formando quando expomos centenas de estudantes ao constrangimento de receber e ocultar informações privilegiadas? Queremos que valores como a mentira e a fraude façam parte dos ensinamentos às futuras lideranças do nosso país? É gratificante saber, entretanto, que, apesar de possíveis influências negativas, jovens de 16, 17 anos já têm presentes em sua formação a preocupação com o outro, com o respeito à verdade. Pude perceber isso quando alunos, indignados, procuraram o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) sem receio de expor livremente a verdade. Nesse momento, senti a força de outro tipo de educação, que vai além da escolar: a educação familiar. É preciso, mais do que nunca, fortalecer a eticidade. O currículo de nossas escolas deve considerar mais que conteúdos acadêmicos. O nosso compromisso como educadores é o de agir coerentemente com princípios éticos. Paulo Freire nos ensina que a conduta do professor educa mais do que a simples abordagem conteudista. Como diz Freire, "a força do educador democrata está na sua coerência exemplar: ela que sustenta sua autoridade. O educador que diz uma coisa e faz outra, eticamente irresponsável, não é só ineficaz: é prejudicial". Como professora há mais de 40 anos, posso afirmar que o que ocorreu em Fortaleza é um caso isolado. Porém, precisamos ficar atentos ao que está acontecendo. Todos somos responsáveis. Não deixemos que mudem o foco do real significado dessa lamentável realidade. O Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que ocorreu nos dias 22 e 23 de outubro, acompanhado por toda a sociedade, já se mostrou exitoso, tanto do ponto de vista pedagógico como operacional. O que está em questão não é o Enem, e sim o comportamento que fere a ética de profissionais que se intitulam educadores. O Inep tem a clareza de que é preciso, cada vez mais, aprimorar todo o processo. Ainda há muitas questões a serem aprofundadas, e esse instituto está pronto para a tarefa. Por: MALVINA TUTTMAN - presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). |
Fonte: Folha de São Paulo |
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