segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Star Wars: Que a Força do Marketing esteja com você

Não consegui resistir à Força e fui ver ‘Star Wars’ no fim de semana de estreia. Fica até difícil dizer algo que ainda não foi dito nesse turbilhão de milhares e milhares de páginas, imagens, infográficos, vídeos e todo o tipo de material promocional/editorial/viral sobre o novo episódio da saga criada por George Lucas em 1977. A minha, portanto, é apenas uma opinião a mais. 
É bom começar dizendo que o filme é excelente – para quem gosta deste tipo de filme, claro. Me refiro principalmente a adolescentes, vítimas do marketing mais espetacular da galáxia, saudosistas, que buscam na saga alguma válvula de escape para as suas próprias vidas, e gente que gosta simplesmente de um bom filme de ação. Há também as pessoas como eu, que não são tão obcecadas assim pela história, mas que ficaram curiosas com o barulho em torno de seu lançamento. É um fenômeno pop: assistir a ‘Star Wars’ é mais ou menos como comprar um disco da Adele ou ler ‘Cinquenta Tons de Cinza’. Uma tentativa de pertencer a essa época ou, pelo menos, de compreendê-la melhor.
E o que se entende ao ver o filme? Em primeiro lugar, que é um capítulo novo em uma trama complexa que envolve fé, emoção, moral, princípios, filosofia de vida. Em que outro setor da sociedade temos isso em abundância? Quem respondeu ‘religião’ acertou na mosca.
‘Star Wars’ é um fenômeno religioso no sentido pós-moderno, já que apresenta uma história cheia de significados autorreferenciais e explora conceitos 'profundos' por meio das atitudes de seus personagens, heróis e vilões. O filme novo, número 7 da trilogia tripla (1-9) ‘O Despertar da Força, aliás, é uma salada tão grande de referências e citações que poderíamos chamá-lo de ‘O Sci-Fi do Afro-Descendente Doido’: é Freud misturado com Joseph Campbell, Paulo Coelho com Cristianismo, auto-ajuda e cultura pop com budismo, tudo com uma pitada de revolução distópica. “Que a Força esteja com você”, dizem toda hora os apóstolos/fieis/guerreiros Jedi. Só faltava alguém responder: “ela está no meio de nós”. É o Han Solo nas alturas.
Um pai chega para o filho e diz: “Meu filho, pare de brincar com essas bobagens inventadas de ‘Star Wars’ e venha me ajudar a montar o presépio de Natal”. Ou: “Sabe qual é a diferença entre ‘Star Wars’ e o Cristianismo? Dois mil e quinze anos”. Nada mais fácil do que inventar piadas sobre ‘Star Wars’, como fiz aqui, já que a história mexe com tantos ícones da nossa sociedade. Daqui a dois mil anos, certamente teremos igrejas Jedi e templos de culto a Luke Skywalker achando que tudo aquilo foi realmente de verdade. Sim, porque os personagens são extremamente ‘bíblicos’ na forma como exercem uma função clara de inspiração e filosofia em seus 'ensinamentos'. A diferença é que as outras religiões, digamos, 'clássicas', pré-modernas, (Cristianismo, Judaísmo, Islamismo) falam sobre histórias do passado e buscam nelas as lições para a vida em sociedade. ‘Star Wars’ busca a mesma coisa, mas com lendas e mitos que do futuro (mesmo que o filme comece com a frase "Há muito tempo, em uma galáxia distante...." É apenas uma diferença de ponto de vista.
A teoria da cauda longa, popularizada pelo editor da Wired, Chris Anderson, no início dos anos 2000, também pode ser aplicada a essa visão neo-religiosa da cultura pop. Temos diversas ‘micro-religiões’, como podemos ver nas peregrinações em eventos como as Comic-Cons: temos os seguidores de ‘Star Wars’, mas também temos os fanáticos por Marvel; há os fieis que se inspiram em lendas japonesas, outros preferem seguir a 'palavra’ de sagas igualmente teológicas como ‘Game of Thrones’ e ‘Senhor dos Anéis’. A verdade é que esse tipo de religião ‘Long Tail’ tem a profundidade adequada para os tempos de hoje: é rápida e acessível; possui os conceitos de ‘bem contra o mal’ que precisamos para orientar nossas vidas; seus personagens são inspiradores e carismáticos. E quando a luz acende, quando acaba o filme/missa/episódio de série, podemos voltar rapidinho para a realidade do WhatsApp.
A grande igreja, olhando por esse prisma, é a própria Disney, que comprou recentemente a franquia ‘Star Wars’ de George Lucas por alguns bilhões de dólares. Digo que a Disney é uma Igreja porque age como a nave-mãe sob a qual existem várias divisões: Marvel, Star Wars, Pixar, Turma do Mickey, princesas. Não é brincadeira: não pode ser positivo que uma única empresa detenha uma parte tão grande da cultura de massa global, em todas as faixas etárias. Cheira a Império, e quando você vê ‘Star Wars’ percebe que todo império pode ser conduzido para o lado errado. Seria a Disney um Império desta natureza, ironicamente? Ou seria o Google? Facebook? Apple? Estado Islâmico? Quem contar a melhor história, leva. É tudo uma questão de ‘narrativa’ ou, para uma usar uma expressão da moda, ‘produção de conteúdo’.
Mas chega de teoria e vamos à prática: 'O Despertar da Força' é muito bom. É um grande filme de ação, com batalhas incríveis, cenas de luta e um visual 3D que faz tudo isso saltar na nossa cara. Com a Disney à frente, George Lucas passou o sabre de laser para J.J. Abrams, um dos grandes nomes do entretenimento mundial da atualidade. Abrams, entre outras coisas, ficou famoso por ter criado a série ‘Lost’, uma bem-sucedida distopia (olha distopia aí de novo, gente!) que gerou uma expectativa – e audiência – incríveis em todo o mundo. Abrams criou uma história incrível – a única pena é que ele esqueceu de criar um final. Mas as pessoas esquecem rápido.
Abrams é o cara certo no lugar certo. Ele é como uma espécie cinematográfica de Rick Rubin, produtor musical que pega as bandas em decadência e ‘ensina’ (cobrando apenas alguns milhões de dólares) que o que eles devem fazer, mesmo, é voltar às origens. Rubin fez isso com o Black Sabbath, quando a banda voltou com Ozzy Osbourne no disco ‘13’.
J.J. Abrams segue a mesma filosofia que Rubin: o importante é dar aos fãs o que os fãs querem. Esses seguidores – ou fieis, se você preferir – não querem novidades: eles estão atrás de memória, de conexões familiares e seguras. Rubin fez isso ao dizer que o Black Sabbath tinha que buscar a sonoridade de seus primeiros álbuns; em ‘Star Wars’, Abrams faz, com a tecnologia de hoje, um filme como o que George Lucas fez em 1977: humano, (pseudo)analógico, emocional. É por isso que ‘O Despertar da Força’ é muito melhor do que a primeira parte da trilogia, onde Lucas abusou da computação gráfica e fez filmes infantilóides e opacos.
Abrams volta, ironicamente, à estética dos filmes 4, 5 e 6 (que foram lançados primeiro, a partir de 1977), onde a tecnologia ainda não era tão boa, mas que o conteúdo filosófico e simbólico era bem mais forte.
Há referências mais sutis, mensagens subliminares que pipocam pela tela (quase) sem a gente perceber. A Resistência, formada pelos guerreiros bonzinhos que querem libertar a Galáxia dos vilões da Primeira Ordem, é composta por humanos, mas também por outros alienígenas estranhos que falam outros idiomas. Ou seja, a Resistência é tolerante com os ‘imigrantes’ de outros planetas, e agrega todos sob seu manto do ‘Bem’. Já a Primeira Ordem, cuja cena do discurso de seu general para as tropas é digna de Leni Riefenstahl, a cineasta favorita de Hitler, é um arquétipo do fascismo, com seus soldados uniformemente iguais, disciplinados e assépticos. China? Coreia do Norte? Rússia? É a liberdade e a tolerância contra o totalitarismo; o brilho nos olhos contra a rigidez robótica. É o Soft Power norte-americano em ação – e vale mencionar, sem spoilers, que o filme, basicamente, conta a história de um jovem negro e uma mulher contra um vilão com cara de árabe... mas é tudo muito sutil. Arrã.
Seguindo a filosofia Rick-Rubin-J.J.Abrams, ‘O Despertar da Força’ também conta com a volta da ‘formação original’ da saga: Han Solo, Princesa Leia e Luke Skywalker. São papeis menores, ‘pontas’, mas eles estão lá para abrilhantar a história e satisfazer o fetiche dos fãs. Até o Chewbacca os caras ressuscitaram! O primeiro robô gay da história, C3PO também está lá, assim como seu companheiro R2-D2. A obsessão pelas referências é tão grande que há frases no roteiro inteiramente pinçadas do filme de 1977; há até uma batalha de Han Solo e Chewbacca contra os Stormtroopers que tem exatamente a mesma tomada de câmera do Star Wars de 1977. Da formação original está presente também Lawrence Kasdan, roteirista de ‘O Império Contra-Ataca’ e ‘O Retorno de Jedi’. Aqui, Kasdan divide o roteiro com J.J. Abrams e Michael Arndt.
Essa formação original é a responsável pelas melhores cenas do filme. Han Solo, aliás, é o personagem mais legal de toda a saga. Ele é uma espécie de ‘homem comum’ entre tantos guerreiros e heróis perfeitos. É mentiroso, enrolador. Mesmo assim, a Princesa Leia é apaixonada por ele até hoje. O que isso significa, em meio a tantas referências? Nesses tempos de feminismo, prefiro nem tentar interpretar.
A grande verdade é que as mulheres estão cada vez mais poderosas: além de Leia, que é a líder da Resistência, a heroína do filme é a guerreira Rey, personagem de Daisy Ridley. Como Luke Skywalker, ela também não sabe quem são seus pais. Luta para sobreviver no dia a dia, é uma garota comum. Mas diante de tanto mal no mundo, algo dentro dela começa a despertar. E deve se consolidar nos próximos episódios da série, que só termina daqui uns cinco anos.
Mas os fãs podem ficar tranquilos: quando você achar que tudo acabou, que é o fim da saga, veremos nos cinemas ‘Star Wars X Marvel: Luke Skywalker e Capitão América contra o fantasma de Darth Vader'. Imagina a bilheteria?
Que a Força esteja conosco.
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